quinta-feira, 3 de março de 2016

Competência do TCM para julgar contas de gestão municipal

Ser Humano, Leonardo da Vinci. Fonte Internet.

Acelino Pontes


(ex-Max Planck-Institut für Hirnforschung, Köln.
 Estudos do Direito, Filosofia, Física, Matemática, Medicina, Psicologia e Teologia;
em Berlin, Fortaleza, Köln [Colônia], Lisboa e em München [Munique])




EMENTA: TCM. Competência. Poder de Julgar. Prefeito Municipal. Contas de Go­verno. Contas de Gestão. Constitucionali­dade. Teoria dos motivos determinantes. Transcendência dos fundamentos determi­nantes.


Persiste no meio jurídico a inquietação em torno da questão sobre a competência dos Tribunais de Constas dos Municípios de julgar contas de gestão, que aflora de uma suposta indefinição constitucional.

Facit da presente Análise é o questionamento sobre a competência dos Tribunais de Contas dos Município poderiam julgar contas prestadas pelo chefe do Executivo Municipal, seja sob a forma de Contas de Governo ou sob a de Contas de Gestão, pois o simples ato de ordenar despesas não atingiria o status de Chefe do Po­der Executivo, motivo pelo qual, o julgamento de todas as contas pres­tadas pelo Prefeito Municipal só poderia ser realizado pelo Legislativo Municipal.

Primo oculi, poderia perdurar a impressão de que a competência do TCM se restringiria à simples produção de pareceres e de assessoria. Mas, ao tomar-se como parâmetro os seguintes arestos, chega-se à uma conclusão adversa.

A questão foi inaugurada na Suprema Corte por iniciativa do Procurador Geral da República à instigação do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Mato Grosso, que gerou a ADI 849. Trata-se, nesse feito, de modificação efetuada pelo Estado do Mato Gros­so em sua Carta Maior, configurada na “subtração ao Tribunal de Constas da competência do julgamento das contas da Mesa da Assem­bleia Legislativa”.

O Acórdão na susodita ADI 849, da lavra do Em. Ministro Sepúlveda Pertence, recebeu o seguinte ementário:

EMENTA: Tribunal de Contas dos Estados: competência: ob­servância compulsória do modelo federal: inconstitucionalida­de de subtração ao Tribunal de Contas da competência do jul­gamento das contas da Mesa da Assembleia Legislativa - com­preendidas na previsão do art. 71, II, da Constituição Federal, para submetê-las ao regime do art. 71, c/c. art. 49, IX, que é exclusivo da prestação de contas do Chefe do Poder Executivo. I. O art. 75, da Constituição Federal, ao incluir as normas fe­derais relativas à "fiscalização" nas que se aplicariam aos Tri­bunais de Contas dos Estados, entre essas compreendeu as atinentes às competências institucionais do TCU, nas quais é clara a distinção entre a do art. 71, I - de apreciar e emitir pa­recer prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo, a serem julgadas pelo Legislativo - e a do art. 71, II - de julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, entre eles, os dos órgãos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. II. A diversidade entre as duas competências, além de manifesta, é tradicional, sempre restrita a competência do Poder Legislativo para o julgamento às contas gerais da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, precedidas de parecer prévio do Tri­bunal de Contas: cuida-se de sistema especial adstrito às con­tas do Chefe do Governo, que não as presta unicamente como chefe de um dos Poderes, mas como responsável geral pela execução orçamentária: tanto assim que a aprovação política das contas presidenciais não libera do julgamento de suas contas específicas os responsáveis diretos pela gestão financei­ra das inúmeras unidades orçamentárias do próprio Poder Executivo, entregue a decisão definitiva ao Tribunal de Con­tas. (ADI 849, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tri­bunal Pleno, julgado em 11/02/1999, DJ 23-04-1999 PP-00001 EMENT VOL-01947-01 PP-00043)
Mais adiante no tempo, no deferimento da me­dida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.715/TO, o Plená­rio do Supremo Tribunal produz os seguintes fundamentos, ad litterram:

3. A Constituição Federal é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal de orga­nização do Tribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados-membros. Precedentes. 4. No âmbito das competências institucionais do Tribunal de Con­tas, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre: 1) a competência para apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, especi­ficada no art. 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência para julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, definida no art. 71, inciso II, CF/88. Precedentes. 5. Na segunda hipótese, o exercício da competência de julgamento pelo Tribunal de Contas não fica su­bordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo. Precedentes. 6. A Constituição Federal dispõe que apenas no caso de contratos o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional (art. 71, § 1º, CF/88) (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 25.8.2006, grifos nossos). (Realcei)

Impende enfatizar, que num outro momento, ao bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.779/PE, à submissão do litígio ao exame direto da Suprema Corte, essa decidiu por declarar inconstitucionais os inc. VI e VII do art. 14 da Constituição do Estado de Pernambuco, bem como as expressões contidas no inc. III do § 1º e no § 2º do seu art. 86, que atribuíam competência exclusiva à Assembleia Legislativa para julgar as contas do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas, do Tribunal de Justiça e das Mesas Diretoras das Câmaras Mu­nicipais, afastando, assim, a competência dos Tribunais de Contas dos Estados, em confronto com o art. 71, inc. I, da Constituição da Repúbli­ca (Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 14.9.2001).
Atenas. Fonte: Internet.

No ambiente eleitoral, a aceitação do julgamento dos Tribunais de Contas resta cristalina como demonstra a seguinte decisão proferida pelo E. Tribunal Regional Eleitoral do Pará no julgamento do Recurso Eleitoral Ordinário 2.487, relator Juiz Federal Daniel Santos Rocha Sobral, assim ementado:

REGISTRO DE CANDIDATURA. CANDIDATO. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCU, TCE E TCM. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. DECISÃO IRRECORRÍVEL. AÇÕES DES­CONSTITUTIVAS. EFEITO SUSPENSIVO INEXISTENTE. VIDA PREGRESSA. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS.
1. Uma vez delineada a rejeição de contas do Prefeito Mu­nicipal, oriundas de convênios, com diversas esferas da Federação, pelas Cortes de Contas competentes (TCU, TCE ou TCM), mediante decisão irrecorrível, a inelegibili­dade fincada na alínea ‘g’, inciso I, do art. 1º da LC nº 64/90, é medida que se impõe.
2. In casu, não logrou o recorrente comprovar qualquer efeito suspensivo na órbita administrativa ou tutela ante­cipada de modo a afastar a inelegibilidade constante da ressalva do dispositivo legal supra, não sendo suficiente o simples protocolar de ações desconstitutivas, consoante hodierna jurisprudência.
3.Precedentes do TSE.
4. A inelegibilidade fincada na vida pregressa do candida­to, aqui entendida a simples existência de ações penais e de improbidade administrativa em tramitação não subsis­te ante o teor da ADPF nº 144, o que, no caso em concre­to, não altera o âmago do decisum de 1º grau, ante a existência de fundamento próprio e autônomo hábil a in­deferir de per si o registro da candidatura.
5.Sentença mantida quanto ao fundamento ‘rejeição das contas’. (Realcei)
A reação dos chefes de administração municipal ante a atividade judicial dos TCMs e consequentes condenações, bem como aplicação de multas, resulta em apelos de controle de constitucio­nalidade abstrato na modalidade Reclamação ao STF, que sempre refu­tado pela Suprema Corte com o seguinte fundamento:
Entretanto, o sistema brasileiro admite exclusivamente o controle de constitucionalidade de leis ou normas específicas, não se aceitando declaração de inconstitucionalidade de matéria ou tema. Daí porque não seria correto concluir que a existência de julgado constitucional proferido em ação de controle abstrato permita o uso da reclamação para se obter decisão judicial em caso baseado em norma jurídica diversa, ainda que contemple matéria análoga. (Rcl 11479. Rel. Ministra Cármen Lúcia.)
Assim, impera na espécie o entendimento do Pretório Máximo de inexistência de identidade ou mesmo similitude de objetos entre o ato impugnado e a decisão tomada pela Corte Suprema, bem como a inaplicabilidade da chamada Teoria dos Motivos Determinantes (também conhecida como fenômeno da transcendência dos fundamentos determinantes ) levando assim o STF a rejeitar os seguintes feitos: Rcl 2.475-AgR/MG, Redator para o acórdão o Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 31.1.2008; Rcl 5.365-MC/SC, Rel. Min. Ayres Britto, decisão monocrática, DJ 15.8.2007; Rcl 5.087-MC/SE, Rel. Min. Ayres Britto, decisão monocrática, DJ 18.5.2007; e Rcl 3.014/SP, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 21.5.2010; RCL 10.550/CE, Rel. Min. Dias Toffolli, DJe 18.10.2010; RCL 10.538/CE, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 30.9.2010; RCL 10.547/CE, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 30.9.2010; RCL 10.496/CE, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 30.9.2010; RCL 10.533/PB, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 29.9.2010 e RCL 10.499/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 27.9.2010.

A regra de competência insculpida nos incisos I e II do art. 71 da Carta Política brasileira, funda uma dualidade de regi­mes jurídicos a que os agentes públicos estão sujeitos no procedimento de prestação e julgamento de suas contas. Da lavra do eminente Minis­tro MARCO AURÉLIO, à análise da matéria e em passagem expressiva de seu douto voto proferido no julgamento do RE 132.747/DF, no qual agiu como Relator, com as melhores das propriedades particularizou essa dualidade de sazões, oferecendo consentânea leitura das normas gravadas nos incisos I e II do art. 71 da Constituição Federal, litteris:

Nota-se, mediante leitura dos incisos I e II do artigo 71 em co­mento, a existência de tratamento diferenciado, consideradas as contas do Chefe do Poder Executivo da União e dos admi­nistradores em geral. Dá-se, sob tal ângulo, nítida dualidade de competência, ante a atuação do Tribunal de Contas. Este aprecia as contas prestadas pelo Presidente da República e, em relação a elas, limita-se a exarar parecer, não chegando, portanto, a emitir julgamento.
Já em relação às contas dos administradores e demais respon­sáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituí­das e mantidas pelo Poder Público Federal, e às contas daque­les que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo para o erário, a atuação do Tribunal de Contas não se faz apenas no campo opinativo. Extravasa-o, para alcançar o do julgamento. Isto está evidenciado não só pelo emprego, nos dois incisos, de verbos distintos - apreciar e julgar - como também pelo desdobramento da matéria, ex­plicitando-se, quanto às contas do Presidente da República, que o exame se faz ‘mediante parecer prévio’ a ser emitido, como exsurge com clareza solar, pelo Tribunal de Contas.
[...]
O Presidente da República, os Governadores e os Prefeitos igualam-se no que se mostram merecedores do ‘status’ de Che­fes de Poder. A amplitude maior ou menor das respectivas áreas de atuação não é de molde ao agasalho de qualquer dis­tinção quanto ao Órgão competente para julgar as contas que devem prestar, sendo certa a existência de Poderes Legislati­vos específicos. A dualidade de tratamento, considerados os Chefes dos Poderes Executivos e os administradores em geral, a par de atender a aspecto prático, evitando a sobrecarga do Legislativo, observa a importância política dos cargos ocupa­dos, jungindo o exercício do crivo em relação às contas dos Chefes dos Executivos Federal, Estaduais e Municipais à atua­ção não de simples órgão administrativo, mas de outro Poder - o Legislativo. (Realcei)

Conclusão

Decididamente, perdura o entendimento crista­lino e pacífico da Suprema Corte sobre a competência dos TCMs de jul­gar as contas de gestão dos prefeitos municipais e demais agentes pú­blicos.


Com isso, estatela-se qualquer intento de even­tuais oposições, por parte dos prefeitos multados, em questionar a cons­titucionalidade das execuções propostas pelo Estado, dentro do entendi­mento de que compete ao Estado executar tais multas.




Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):

PONTES, AcelinoCompetência do TCM para julgar contas de gestão municipal. Práxis Jurídica, Ano III, N.º 02, 03.03.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/03/competencia-do-tcm-para-julgar-contas.html>. Acesso em: .





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