sábado, 5 de novembro de 2016

Como eu voto.

Ilustração de Jacek Yerka.

A temporada eleitoral já passou; é o quanto venho procrastinando este texto. Com o estabelecimento do teto para gastos da união e o novo ensino médio, porém, talvez fosse interessante deixar o reca­do. Assim, o texto pode se tornar relevante na próxima temporada eleitoral.

Antes que alguém pergunte, não gosto nem do teto de gastos nem do novo ensino médio. Mas, aprendi, esses dias, que não se deve discutir política, mas votar. Então, posso pelo menos falar de como votar, em vez de entrar em detalhes sobre essas coisas. Talvez até entre, mas noutra ocasião.

Primeiro, é necessário verificar se está presente a condição para que a reeleição seja possível. Se a reeleição é possível, é necessário verificar se, no período anterior, o candidato fez um bom trabalho ou não. Para avaliar isso, é necessário ter critérios, que são pessoais. É importante frisar o caráter de pessoalidade dos critérios, porque as notícias, sendo facilmente manipuláveis, não constituem crité­rio de avaliação de um governo, senão as consequências sensíveis da administração. Isso quer dizer que eu não devo me perguntar se o governo vai bem no Brasil inteiro ou na maior parte do Brasil, o que requereria buscar informações nos noticiários, mas se o governo vai bem pra mim, tão-somente.

A pessoalidade do voto tem dupla função: afastar o indivíduo de possíveis mentiras e garantir a de­mocracia. Como disse, as notícias e a opinião dos outros podem ser manipuladas, corresponder à verdade apenas parcialmente ou simplesmente não ser o que você observa. Então, se expor às opini­ões dos outros e às notícias pode servir como meio de levar o indivíduo a ver coisas que não estão lá. Por outro lado, dar esse caráter de pessoalidade ao voto garante uma democracia mais justa: se a maioria das pessoas, em suas experiências pessoais, verifica, através de seus critérios pessoais, que o governo vai mal, essa maioria, pelo poder do voto, motivado por interesses pessoais, retira do go­verno aquilo que lhe faz mal. Muito se fala que a mídia de massa é manipuladora, mas as pessoas, nem por isso encaram o noticiário de maneira crítica. Então, se a televisão tem interesses, ela usará seu aparato midiático para manipular a opinião da maioria, o que não aconteceria se o noticiário não constituísse critério de avaliação política, mas somente a experiência pessoal. A manipulação de massa constitui vantagem desleal e, por extensão, uma perversão da pureza democrática. Um julga­mento democrático "puro" requer que o indivíduo vote por ele mesmo. Afinal de contas, se a maio­ria, por esse processo, reprova ou aprova o sistema estabelecido, a democracia é propriamente feita: é a opinião da maioria falando pela própria maioria, que vê as coisas pelos seus próprios olhos e não pelos olhos dos outros.

Os meus critérios são sempre: educação, saúde e segurança. Se a educação funciona pra mim, então ele (o último candidato eleito que procura reeleição) fez um bom trabalho na educação pra mim; da mesma forma, então ele fez um bom trabalho na saúde pra mim, e fez um bom trabalho na seguran­ça pra mim. Para determinar se essas coisas vão bem, eu ajo de maneira pragmática: a educação vai bem se eu aprendi satisfatoriamente o que eu queria, a saúde vai bem se eu recebi tratamento satis­fatório para minhas doenças, a segurança vai bem se eu não fui vítima de violência. Se as três con­dições forem preenchidas, então devo reeleger o último candidato eleito. Se as três condições não forem preenchidas, então para onde foi o dinheiro público? Ou foi mal usado ou desviado. Não ree­legerei. Se ele for bem em apenas um ou dois critérios, devo pesar perdas e ganhos. Se os benefícios cobrirem os malefícios, devo reeleger. Caso contrário, não.

Outras pessoas têm diferentes critérios e isso é importante, pois o governo ideal pra mim não é o governo ideal para outros. Muitos têm como critério a mobilidade urbana, o meio ambiente, a eco­nomia, os empregos, entre outros. É importante que cada um tenha seus critérios, mas ainda mais importante é que esses critérios sejam pessoais e que avaliem a experiência pessoal do cidadão com o governo. Não vote pelo Brasil inteiro; se cada um vota por si, já vota pelo Brasil inteiro, mas, pro­curando votar segundo a opinião do outro, pode-se acabar votando por uma minoria, o que é o contrário da democracia.

Segundo, caso o candidato que tenta se reeleger falhe nos meus critérios, caso haja vários candida­tos dentre os quais escolher ou caso o último candidato eleito não procure ou não possa se reeleger, é necessário pesquisar qual dentre os candidatos disponíveis é mais qualificado. Isso também é feito segundo critérios, que devem também ser pessoais. Em páginas que catalogam candidatos na Inter­net, é possível ver algumas informações sobre cada candidato: idade, profissão, filiação partidária, "nome de guerra" e ficha criminal por exemplo. Além disso, um bom jeito de obter informações so­bre um candidato é ouvindo o que ele tem a dizer, via propaganda política e debates, e o que os ou­tros candidatos dizem dele. Enquanto não é lícito ouvir fontes de terceiros, mesmo quando se dizem imparciais, é lícito ouvir os que estão inseridos na competição. Pela propaganda política e sobretudo pelos debates, eu posso saber quem tem mais chances de preencher os critérios pessoais que não fo­ram preenchidos na etapa anterior.

Antes de julgar seriamente, devemos eliminar do julgamento todos os candidatos que têm nomes políticos jocosos ou propositalmente engraçados, que tenham propagandas políticas que faltam com o decoro, com a seriedade, que façam piada ou que infundam um ar de comédia a um assunto tão sério. O último que fez isso e se deu bem, se mostrou uma decepção. Meu primeiro critério pessoal é ficha criminal: um candidato que já cometeu crimes políticos ou que tenham relação com a políti­ca local, deve ser evitado. Se ele cometeu outros crimes, não políticos e não relacionados à política, é justo lhe dar uma chance. O segundo critério, para desempate do primeiro, é a profissão. Prefiro sempre os candidatos que têm profissões públicas, não por serem melhores ou piores, mas porque, para novos candidatos, me é urgente assegurar que eles terão preferência pelas coisas públicas: o Estado se ocupa do que é público e apenas secundariamente do que é privado. Assim, eu não iria querer um Estado que descuida das coisas públicas, que são dele, para cuidar das coisas dos outros, embora nem por isso as deva atrapalhar ou destruir. Então, o público deve ter prioridade sobre o pri­vado e profissionais públicos sabem das vicissitudes encontradas em seus ofícios, o que significa que eles têm clarividência, ao menos, dos problemas que devem ser enfrentados na coisa pública. Filiação partidária é o critério seguinte, o qual é usado para desempatar caso haja empate no critério anterior. Isso porque filiação partidária não diz muito hoje: com candidatos mudando de partido, às vezes como quem muda de roupa, é possível ver que "ideologia de partido" é um conceito desacre­ditado. Ainda acontece, é verdade, mas não com frequência a ponto de filiação partidária ser primei­ro critério. Eu diria de quais partidos eu gosto se isso não contradissesse o que eu disse no começo sobre não acatar recomendações de candidato de terceiros.

Resumindo, temos o programa de dois casos. Caso 1: reeleição possível. Caso 2: reeleição impossível.

Caso 1: candidato fez bom trabalho em todos os critérios pessoais, reeleger. Se o candidato não fez um bom trabalho em todos os critérios pessoais, verificar perdas e ganhos do último mandato. Se o candidato não fez um bom trabalho em nenhum critério pessoal, não reeleger, seguir para caso 2.

Caso 2: eliminar todos os candidatos que não são sérios. Verificar quais candidatos atendem ao pri­meiro critério pessoal, eliminar os que não atendem e prosseguir. Verificar quais candidatos dos que sobraram atendem ao segundo critério pessoal, eliminar os que não atendem, prosseguir. Continuar testando todos os candidatos e eliminando aos que não atendem aos critérios pessoais, em ordem do mais importante ao menos importante. Caso faltem critérios e nenhum dos candidatos restou, anule seu voto. Caso faltem critérios e ainda há empate, tanto faz.


Yure Cézar de Moura Almeida
Redação


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