domingo, 27 de novembro de 2016

Greve de consumidores?

Fonte: Internet.

Yure Cézar de Moura Almeida
(Filósofo)

Eu vejo que muitas pessoas estão transtornadas com o desgostoso futuro que pa­rece nos aguardar. É verdade que, segundo uma pesquisa do Ibope, maior parte da população é a favor de cortes em gastos públicos, mas esse resultado não pode ser ligado à PEC 55. A tentativa do MEC foi criar dados para provar que a PEC 55 tem apoio da população, mas veja só qual foi a pergunta feita pelo Ibope para provar isso:

você é a favor de cortes de gastos públicos?


Claro que só responderia "não" quem entendesse que isso é uma pergunta capcio­sa. A PEC 55 realmente corta gastos, mas não no salário dos políticos, nem em cartões corporativos ou coisas assim. Os gastos serão cortados na educação, na saúde e na segurança, coisa que nós, pobres, usamos cotidianamente. O Brasil não pode virar a Grécia, mas não pode fazer isso passando por cima de nós.

Muitos estão entrando em greve por causa disso, e isso me lembrou de uma ideia que eu tive quando eu era mais novo. Claro que eu, sozinho, não faço diferença, mas eu queria deixar esta ideia aqui pra ver o que outros pensam dela: greve de consumidores. Será que isso existe com o nome que lhe damos? Alguém já tentou fazer isso?

Existem coisas que não podemos deixar de consumir, como água e comida, então o necessário precisa ser mantido. Mas, tal como a segurança não entra em greve toda de uma vez, mas somente certos setores, não precisamos deixar de consumir de todo, mas consumir somente aquilo que é extremamente necessário ou que já nos comprometemos a pagar. Todos compramos, movimentamos muito dinheiro, às vezes mais do que deveríamos. Se cada um comprar apenas metade das futili­dades que compra no mês (futilidades sendo qualquer coisa que não se compro­meteu a pagar, como dívidas, ou qualquer coisa que não é essencial), imagine quanto dinheiro deixa de ser movimentado.

Isso tem duas vantagens. A primeira é que gastamos menos dinheiro, deixando os nossos recursos para emergências e economias. A segunda, e a melhor, é que o estoque de produtos aumenta. Ora, quando há muito estoque, há liquidação, ou seja, os preços diminuem. Quanto menos consumimos, mais baratas as coisas fi­cam, não é verdade? Isso seria uma forma segura de protesto contra o governo, além de ser muito eficiente. Com efeito, a polícia pode até entrar numa escola ocupada e talvez ferir estudantes, mas a polícia não pode entrar na nossa casa e nos forçar a ir ao supermercado. Além disso, a política do Temer é claramente neo­liberal e de Estado mínimo, ou, pelo menos, para lá caminha. Então, um de seus maiores objetivos é o crescimento econômico pela via privada. Mas deixando de comprar, invalidamos esse objetivo. Claro que não vamos deixar completamen­te de comprar, mas deixando de comprar futilidades minamos o caminho para o objetivo deles.

Fonte: Internet.
Se começássemos agora, seríamos ouvidos logo, porque a temporada natalícia está às portas. O natal do ano passado foi ruim em termos de vendas e tudo indi­ca que este será pior. O governo precisa desse dinheiro, pois arrecada impostos também assim. Nós temos o dinheiro que eles querem. Esse dinheiro é nosso re­fém. Alguém pode argumentar que a greve de consumidores pobres não adianta, porque os ricos ainda consumirão, pois não são afetados por esse governo. Bom, muitos ricos são empresários. Eles enriquecem com o que nós, pobres, damos a eles, comprando o que produzem. Deixando de comprar, os empobrecemos, e cada vez mais quanto mais pessoas deixam de consumir. Além disso, pobres ain­da são maioria. Movimentando um pouco de dinheiro, cada um soma com os ou­tros grandes quantidades de moeda, talvez tanto quanto os ricos movimentam. Mas se as empresas empobrecem, não demitirão funcionários? Sim, demitirão, mas ela não pode demitir a maioria, porque se arriscaria à falência. Está no me­lhor interesse das empresas manter mão de obra, fora que entrar numa greve as­sim não afeta os concursados. Ao final da greve, com o dinheiro que guardamos, voltaríamos a consumir, as empresas voltariam à estabilidade e ofereceriam em­pregos novamente. O seguro-desemprego deve servir até o fim da greve ou até de­pois.

Se feito em larga escala, isso causaria um caos tão grande, que seria necessário a imprensa dizer que nada está acontecendo. As empresas fechariam, a arrecada­ção de impostos diminuiria e teríamos mais dinheiro guardado. Ficaria claro que é o pobre que sustenta o Brasil. Talvez isso não acontecesse, talvez não desse cer­to sozinho, mas em conjunto com outros movimentos de protesto ajudaria bas­tante e talvez nem fosse necessário corte de gastos nas empresas. Imagine você: greve de consumidores contra a PEC 55 e a MP do Ensino Médio. É tão pirado, tão maluco, que é difícil pensar que venha a dar resultado. Mas, considerando os pressupostos e a lógica, será que não faz sentido tentar?

Se alguém quiser fazer tal audácia, basta se perguntar antes de comprar: eu pre­ciso disto? Minha vida pioraria se eu não comprasse este item? Eu posso viver até o final da greve sem ele? Se eu não preciso, se sua falta não vai me afetar negati­vamente e se eu posso viver sem este item até o final da greve, não vou comprá-lo. Posso viver até o final da greve sem arroz? Claro que não! Mas posso deixar pra comprar roupas novas quando o governo me ouvir? Experimente, vá até onde puder com esse raciocínio. E papel? Lápis de cor? São coisas que eu uso muito. Mas já tenho lápis o bastante e uso pouco papel. E eletricidade? Claro que vou continuar pagando as contas, já que minha comida estragaria se minha geladeira parasse. Água e comida sempre são lícitas? Se você pudesse passar a greve sem comer ou beber, seria ótimo, mas não vou exigir o que eu não faria.

Em suma, gastar menos e cada vez menos seria uma ótima forma de protesto, tanto porque afetaria diretamente o Estado quanto porque é segura e não vai atrair a ira da polícia. É uma boa saída pra quem quer fazer alguma coisa pra ajudar, mas não sabe o quê. Mesmo que não dê certo por si só, é uma ajuda. É melhor que ficar parado assistindo.


Agora basta da minha loucura pueril. Só dá certo ser ingênuo e infantil se formos todos juntos.


Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):

Almeida, Yure Cézar de Moura: Greve de consumidores? Praxis Jurídica, Ano III, N.º 04, 05.11.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/11/greve-de-consumidores.html>. Acesso em: .






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