Fonte: Internet. |
Yure Cézar de Moura Almeida
(Filósofo)
Eu
vejo que muitas pessoas estão transtornadas com o desgostoso futuro
que parece nos aguardar. É verdade que, segundo uma pesquisa do
Ibope, maior parte da população é a favor de cortes em gastos
públicos, mas esse resultado não pode ser ligado à PEC 55. A
tentativa do MEC foi criar dados para provar que a PEC 55 tem apoio
da população, mas veja só qual foi a pergunta feita pelo Ibope
para provar isso:
você é a favor de cortes de gastos públicos?
Claro
que só responderia "não" quem entendesse que isso é uma
pergunta capciosa. A PEC 55 realmente corta gastos, mas não no
salário dos políticos, nem em cartões corporativos ou coisas
assim. Os gastos serão cortados na educação, na saúde e na
segurança, coisa que nós, pobres, usamos cotidianamente. O Brasil
não pode virar a Grécia, mas não pode fazer isso passando por cima
de nós.
Muitos
estão entrando em greve por causa disso, e isso me lembrou de uma
ideia que eu tive quando eu era mais novo. Claro que eu, sozinho, não
faço diferença, mas eu queria deixar esta ideia aqui pra ver o que
outros pensam dela: greve de consumidores. Será que isso existe com
o nome que lhe damos? Alguém já tentou fazer isso?
Existem
coisas que não podemos deixar de consumir, como água e comida,
então o necessário precisa ser mantido. Mas, tal como a segurança
não entra em greve toda de uma vez, mas somente certos setores, não
precisamos deixar de consumir de todo, mas consumir somente aquilo
que é extremamente necessário ou que já nos comprometemos a pagar.
Todos compramos, movimentamos muito dinheiro, às vezes mais do que
deveríamos. Se cada um comprar apenas metade das futilidades
que compra no mês (futilidades sendo qualquer coisa que não se
comprometeu a pagar, como dívidas, ou qualquer coisa que não é
essencial), imagine quanto dinheiro deixa de ser movimentado.
Isso
tem duas vantagens. A primeira é que gastamos menos dinheiro,
deixando os nossos recursos para emergências e economias. A segunda,
e a melhor, é que o estoque de produtos aumenta. Ora, quando há
muito estoque, há liquidação, ou seja, os preços diminuem. Quanto
menos consumimos, mais baratas as coisas ficam, não é verdade?
Isso seria uma forma segura de protesto contra o governo, além de
ser muito eficiente. Com efeito, a polícia pode até entrar numa
escola ocupada e talvez ferir estudantes, mas a polícia não pode
entrar na nossa casa e nos forçar a ir ao supermercado. Além disso,
a política do Temer é claramente neoliberal e de Estado
mínimo, ou, pelo menos, para lá caminha. Então, um de seus maiores
objetivos é o crescimento econômico pela via privada. Mas deixando
de comprar, invalidamos esse objetivo. Claro que não vamos deixar
completamente de comprar, mas deixando de comprar futilidades
minamos o caminho para o objetivo deles.
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Se
começássemos agora, seríamos ouvidos logo, porque a temporada
natalícia está às portas. O natal do ano passado foi ruim em
termos de vendas e tudo indica que este será pior. O governo
precisa desse dinheiro, pois arrecada impostos também assim. Nós
temos o dinheiro que eles querem. Esse dinheiro é nosso refém.
Alguém pode argumentar que a greve de consumidores pobres não
adianta, porque os ricos ainda consumirão, pois não são afetados
por esse governo. Bom, muitos ricos são empresários. Eles
enriquecem com o que nós, pobres, damos a eles, comprando o que
produzem. Deixando de comprar, os empobrecemos, e cada vez mais
quanto mais pessoas deixam de consumir. Além disso, pobres ainda
são maioria. Movimentando um pouco de dinheiro, cada um soma com os
outros grandes quantidades de moeda, talvez tanto quanto os
ricos movimentam. Mas se as empresas empobrecem, não demitirão
funcionários? Sim, demitirão, mas ela não pode demitir a maioria,
porque se arriscaria à falência. Está no melhor interesse das
empresas manter mão de obra, fora que entrar numa greve assim
não afeta os concursados. Ao final da greve, com o dinheiro que
guardamos, voltaríamos a consumir, as empresas voltariam à
estabilidade e ofereceriam empregos novamente. O
seguro-desemprego deve servir até o fim da greve ou até depois.
Se
feito em larga escala, isso causaria um caos tão grande, que seria
necessário a imprensa dizer que nada está acontecendo. As empresas
fechariam, a arrecadação de impostos diminuiria e teríamos
mais dinheiro guardado. Ficaria claro que é o pobre que sustenta o
Brasil. Talvez isso não acontecesse, talvez não desse certo
sozinho, mas em conjunto com outros movimentos de protesto ajudaria
bastante e talvez nem fosse necessário corte de gastos nas
empresas. Imagine você: greve de consumidores contra a PEC 55 e a MP
do Ensino Médio. É tão pirado, tão maluco, que é difícil pensar
que venha a dar resultado. Mas, considerando os pressupostos e a
lógica, será que não faz sentido tentar?
Se
alguém quiser fazer tal audácia, basta se perguntar antes de
comprar: eu preciso disto? Minha vida pioraria se eu não
comprasse este item? Eu posso viver até o final da greve sem ele? Se
eu não preciso, se sua falta não vai me afetar negativamente e
se eu posso viver sem este item até o final da greve, não vou
comprá-lo. Posso viver até o final da greve sem arroz? Claro que
não! Mas posso deixar pra comprar roupas novas quando o governo me
ouvir? Experimente, vá até onde puder com esse raciocínio. E
papel? Lápis de cor? São coisas que eu uso muito. Mas já tenho
lápis o bastante e uso pouco papel. E eletricidade? Claro que vou
continuar pagando as contas, já que minha comida estragaria se minha
geladeira parasse. Água e comida sempre são lícitas? Se você
pudesse passar a greve sem comer ou beber, seria ótimo, mas não vou
exigir o que eu não faria.
Em
suma, gastar menos e cada vez menos seria uma ótima forma de
protesto, tanto porque afetaria diretamente o Estado quanto porque é
segura e não vai atrair a ira da polícia. É uma boa saída pra
quem quer fazer alguma coisa pra ajudar, mas não sabe o quê. Mesmo
que não dê certo por si só, é uma ajuda. É melhor que ficar
parado assistindo.
Agora
basta da minha loucura pueril. Só dá certo ser ingênuo e infantil
se formos todos juntos.
Para
citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Almeida,
Yure Cézar de Moura: Greve de consumidores? Praxis Jurídica, Ano III, N.º 04, 05.11.2016 (ISSN
2359-3059). Disponível em:
<http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/11/greve-de-consumidores.html>.
Acesso em: .
Excelente trabalho, Yure. Parabens.
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