Winged Isis protecting the dead Osiris. Musée du Louvre. |
e sua configuração na
aprovação da Emenda Constitucional nº 41/2003 com análise das
ADIs Nº 4887, 4888 E 4889.
João
Henrique de Brito Marinho
(Advogado. Pós-Graduado em
Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC)
RESUMO: O presente
estudo visa examinar a suposta inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional nº 41/2003 por vício decorrente de quebra de decoro
parlamentar. Para tanto, faz-se uma análise do controle de
constitucionalidade a que as Emendas à Constituição devem se
submeter. Delimita-se, ainda, os conceitos de bloco de
constitucionalidade e de decoro parlamentar, bem como de seus
aspectos constitucionais e a construção da teoria de Lenza acerca
da existência da inconstitucionalidade, por quebra no dever de
decoro parlamentar. Essa teoria ganhou notoriedade com o comprovado
esquema de compra de votos na Ação Penal nº 470, para que projetos
de lei fossem aprovados de acordo com os interesses do governo à
época. Serão citadas e examinadas as ADIs nº 4887, 4888 e 4889,
casos concretos em que o STF terá de se manifestar pela primeira vez
sobre essa espécie de vício de inconstitucionalidade. Nas
considerações finais, defendemos a declaração de
inconstitucionalidade da Reforma da Previdência de 2003, sugerindo a
modulação de seus efeitos, de modo que restem conciliados os
interesses social, jurídico, político e econômico envolvidos na
causa.
PALAVRAS-CHAVE: Controle
de Constitucionalidade. Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Compra de votos. Inconstitucionalidade por vício decorrente de
quebra de decoro parlamentar.
ABSTRACT: This paper
aims to examine the alleged unconstitutionality of Constitutional
Amendment No. 41/2003 for addiction due to breaking parliamentary
decorum. Therefore, it is an analysis of judicial that the Amendments
to the Constitution must be submitted. Wraps are also the concepts of
constitutional block and parliamentary decorum, as well as their
constitutional aspects and construction of Lenza theory about the
existence of unconstitutionality, for breach of the duty
parliamentary decorum. This theory gained notoriety with the proven
vote-buying scheme in Criminal Case No. 470, that the bills were
approved in accordance with the interests of the government at the
time. It will be cited and examined the academically ADIs No. 4887,
4888 and 4889, where in particular the Supreme Court will have to
speak for the first time on this new form of unconstitutionality. In
the concluding remarks, we advocate a declaration of
unconstitutionality of the Welfare Reform 2003, suggesting the
modulation of their effects, so that the interests reconciled
avoidance social, legal, political and economic involved in the
cause.
KEYWORDS: Control of
Constitutionality. Direct Action of Unconstitutionality. Vote buying.
Unconstitutional by Parliamentary decorum.
SUMÁRIO: 1 Introdução.
2 Controle de Constitucionalidade e seus elementos identificadores.
2.1 Definição e relevância do controle de constitucionalidade para
o ordenamento jurídico. 2.2 Classificações e suas espécies
normativas: breves considerações. 2.3 Ação Direta de
Inconstitucionalidade 2.3.1 Conceito. 2.3.2 Elementos essenciais do
controle de constitucionalidade via ADI. 2.3.3 Objeto da Ação.
2.3.4 Procedimento da ADI. 2.3.5 Controle de constitucionalidade das
Emendas Constitucionais. 3 Dever de decoro parlamentar e o controle
de constitucionalidade decorrente de sua ausência. 3.1 Conceito de
decoro parlamentar. 3.2 Princípios ofendidos pela quebra do decoro
parlamentar. 3.3 Hipóteses de quebra de decoro parlamentar. 3.4 Das
penalidades aplicáveis por conduta violadora do dever de decoro. 4.
Discussão acerca da Inconstitucionalidade da EC nº 41/2003 por
vício de decoro parlamentar – ADIs nº 4887, 4888 e 4889. 4.1
Análise da ADI nº 4887. 4.2 Análise da ADI nº 4888. 4.3 Análise
da ADI nº 4889. 4.4 Fundamentos jurídicos favoráveis à
constitucionalidade e inconstitucionalidade da EC nº 41/2003 por
quebra de decoro parlamentar. 5 Considerações finais.
Voyagers and Adventurers by Alexander Forssberg. |
-
INTRODUÇÃO
Trata
o presente trabalho sobre a suposta inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional n° 41/2003 por vício decorrente de quebra de decoro
parlamentar, emenda esta que é atualmente objeto das ADIs n° 4887,
4888 e 4889, ainda aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O
tema será abordado sob a perspectiva do controle de
constitucionalidade a que todas as leis e os atos normativos (Emenda
Constitucional, in
casu)
estão sujeitos, tomando como ponto de partida um breve estudo sobre
o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, com ênfase
na Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica.
Entretanto,
será feita uma análise jurídica diversa das tradicionalmente
estudadas inconstitucionalidades formais e materiais, qual seja, sob
o prisma da inconstitucionalidade por vício decorrente da quebra de
decoro parlamentar.
Posteriormente,
será objeto de estudo o conceito de decoro parlamentar, ao passo que
serão levantadas as penalidades aplicáveis aos parlamentares que
infringirem o dever de decoro.
Ademais,
serão demonstradas algumas condutas em que estes parlamentares
atuariam de maneira incompatível com o decoro parlamentar, além das
hipóteses previstas nos regimentos internos das casas legislativas,
com especial destaque para o abuso das prerrogativas asseguradas a
membros do Congresso Nacional e a percepção de vantagens indevidas
(CRFB/88, Art. 55, § 1o),
caracterizando desrespeito ao regular andamento dos trabalhos
legislativos em flagrante ofensa à ética parlamentar.
Por
fim, será feita uma análise sobre a viabilidade de se realizar o
controle de constitucionalidade de leis e atos normativos sob o vício
de inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar,
com apresentação de fundamentos jurídicos favoráveis à
constitucionalidade ou não da Emenda Constitucional n° 41/2003, que
tratou da popularmente conhecida “Reforma da Previdência”.
O
objetivo deste trabalho visa, consequentemente, realizar um estudo
sobre a viabilidade do controle de constitucionalidade decorrente de
quebra de decoro parlamentar, tese de Pedro Lenza (2013, p. 273-274),
a qual, apesar de não guardar consenso doutrinário, é de extrema
relevância, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal terá de
se manifestar sobre o assunto, face a propositura das Ações Diretas
de Inconstitucionalidade de n° 4887, 4888 e 4889, que estão
atualmente aguardando julgamento.
Essas
ações têm como fundamento a quebra de decoro parlamentar
comprovada na Ação Penal n° 470, tendo em vista as irregularidades
demonstradas na fase de votação e de aprovação da Emenda
Constitucional n° 41/2003, por meio de esquema de compra de votos de
parlamentares comprometidos com o esquema denominado “mensalão”.
Tais
atitudes revelam nítida mácula à essência do voto e aos
princípios constitucionais da representatividade popular e da
moralidade, razão pela qual se faz necessária a declaração de
inconstitucionalidade da chamada “Reforma da Previdência”.
Ademais,
não nos faltam exemplos de leis federais, estaduais e municipais em
nosso cenário político que foram comprovadamente aprovadas sob
interesses escusos, que já foram inclusive objeto de diversas
matérias jornalísticas. Tais denúncias só corroboram a relevância
do presente estudo, pois tais diplomas legislativos não merecem
prosperar em nosso ordenamento jurídico, uma vez que não encontram
seu fundamento de validade na Constituição Federal.
De
fato, o tema que ora se analisará é de interesse de toda a
sociedade brasileira e não somente dos operadores do Direito, pois a
lesão provocada pelo vício apontado acima compromete o conceito de
democracia representativa.
Face
sua complexidade, passaremos então à análise e apresentação do
tema, elaborado mediante pesquisa bibliográfica, com uma abordagem
dos mecanismos de controle de constitucionalidade a que se submetem
os atos normativos, além de destacar a necessária conduta ética do
parlamentar, em especial, quando da elaboração e aprovação de
normas com status
constitucional, e as possíveis decorrências de sua infringência
ética parlamentar.
Fonte:
Internet.
|
Inicialmente,
como forma de adentrarmos no tema do nosso estudo, necessário se
faz a abordagem de alguns pontos relativos ao nosso ordenamento
jurídico até chegarmos ao controle de constitucionalidade, vez que
as ações mencionadas no título desse trabalho são formas do
exercício da jurisdição constitucional, logo, de defesa do Texto
Maior.
Ordenamento
jurídico é um conjunto de normas jurídicas compatíveis entre si
e que guardam uma unidade, visto que, embora oriundas de inúmeras
fontes, estão todas dedicadas a observar a estrutura básica
constitutiva de cada Estado, unidade esta que é conferida pela
Constituição.
Dessa
forma, verifica-se ser esta uma lei superior que ordena as demais
pelo princípio da supremacia da Constituição, servindo como
fundamento de validade a todas as demais normas, sob pena de, em
caso de contrariedade com os preceitos constitucionais, serem
invalidadas.
É
fácil observar, portanto, que as normas de um determinado
ordenamento jurídico estão estruturadas de maneira escalonada, de
modo que todas são fundamentadas direta ou indiretamente por outra.
Embora
seja dada, no presente trabalho, maior ênfase a esta hierarquia
constitucional sobre todas as outras normas, cumpre frisar que não
há somente a supramencionada hierarquia constitucional, mas também
há hierarquia das normas legais sobre as infralegais.
Ao
lado da supremacia constitucional, outra premissa essencial à
existência do controle de constitucionalidade seria a rigidez
constitucional, senão vejamos o que ensina Luís Roberto Barroso
(2012, p. 16):
Duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo — na verdade, nenhum ato jurídico poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição.A rigidez constitucional é igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais. Se assim não fosse, inexistiria distinção formal entre a espécie normativa objeto de controle e aquela em face da qual se dá o controle.
No
tocante à supremacia da Constituição, Zeno Veloso (2003, p. 17)
assim leciona:
As normas constitucionais são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Todas as normas devem se adequar, têm que ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a lex legum (Lei das Leis). Porém, de nada adiantaria a rigidez constitucional, a soberania (paramoutcy) da Carta Magna, a natural e necessária ascendência de suas regras e princípios, se não fosse criado um sistema eficiente de defesa da Constituição, para que ela prevalecesse sempre, vencesse qualquer embate, diante de leis e atos normativos que a antagonizem.
Isso
evidencia a fundamental importância que a Constituição tem para
todo o ordenamento jurídico, visto que organiza em seu corpo todos
os elementos essenciais do Estado.
Nesse
sentido, José Afonso da Silva (2010, p. 37-38):
[...] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.
Assim,
faz-se necessária, para que se respeitem os ditames da Lei Suprema,
ou seja, da Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB/88), a existência de um rígido controle de
constitucionalidade, pelo qual todas as outras normas devem estar
submetidas, para que se possa analisar a validade desses atos
infraconstitucionais e de todo o nosso ordenamento, a fim de que se
consiga preservar e restaurar a unidade ameaçada.
Face
sua importância, passemos, a seguir, a uma análise pormenorizada
sobre referido controle de constitucionalidade.
2.1.
Definição
e relevância do controle de constitucionalidade para o ordenamento
jurídico
Como
visto anteriormente, o controle de constitucionalidade é um dos
mecanismos de proteção e de defesa da Constituição perante os
atos do Poder Público, especialmente leis e demais atos normativos,
merecendo censura todos os atos incompatíveis com a Constituição
Federal.
Nesse
contexto, cumpre frisar a presunção de constitucionalidade que
gozam as leis e os atos normativos, porque eles, uma vez aprovados e
incorporados em nosso ordenamento, seriam, idealmente, fruto da
legítima atuação e fundada na legitimidade democrática dos
agentes públicos eleitos, no dever de promoção do interesse
público e no respeito aos princípios constitucionais, inclusive e
notadamente os que regem a Administração Pública.
Todavia,
não é sempre assim que ocorre, razão pela qual se fazia
necessário esse controle sobre a constitucionalidade dessas leis e
atos normativos, para que se possa averiguar se estariam retirando
ou não seu fundamento de validade da Constituição Federal.
Referido
controle é deveras importante, tendo em vista que, do contrário,
não haveria como falar em supremacia da Constituição, e qualquer
ato normativo poderia contrariá- la impunemente.
Desta
feita, vem aludido controle repousar sobre normas inconstitucionais
para expurgá-las do ordenamento jurídico pátrio.
Sobre
a importância da existência desse mecanismo para preservar a força
obrigatória da Constituição, colaciono observações feitas por
Kelsen (apud
MENDES, 2010, p. 1157-1158):
[...] é certo que uma Constituição que, por não dispor de mecanismos de anulação, tolera a subsistência de atos e, sobretudo, de leis com ela incompatíveis, não passa de uma vontade despida de qualquer força vinculante. (...) É que a ordem jurídica zela para que todo ato que contraria uma norma superior diversa da Constituição possa ser anulado. Assim, essa carência de força obrigatória contrasta radicalmente com a aparência de rigidez outorgada à Constituição através da fixação de requisitos especiais de revisão. Por que tanta precaução se as normas da Constituição, ainda que quase imutável, são, em verdade, desprovidas de força obrigatória?
Imperioso,
assim, registrar a relevância desse mecanismo de controle para se
conferir força obrigatória e normativa à CRFB/88, ao se realizar
uma análise sobre a constitucionalidade dos atos ou omissões dos
Poderes Públicos, aplicando sanções àqueles com ela
incompatíveis.
Para
melhor identificar quando e como uma norma constitucional será
objeto do controle de inconstitucionalidade, é salutar tecer breves
considerações sobre algumas de suas classificações e
características.
O
controle de constitucionalidade se divide em três sistemas, a
depender do órgão encarregado de seu exercício. São eles: o
jurídico, o político e o misto.
O
sistema jurídico é aquele realizado pelo Poder Judiciário,
enquanto o político é incumbido a órgãos de natureza política,
caso da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), em que era exercido pelo Presidium
do Soviete Supremo.
Por sua vez, o controle por sistema misto propõe uma junção dos
outros dois sistemas - político e jurídico - tal como ocorre na
Suíça, em que, em regra, o controle das leis é exercido pelo
Poder Judiciário, mas que, em se tratando de lei federal, é
realizado de maneira política pelo Poder Legislativo.
Sobre
o sistema jurisdicional, adotado atualmente no Brasil, acrescenta
Paulo Bonavides (2006, p. 301-302):
Não há dúvida de que exercido no interesse dos cidadãos, o controle jurisdicional se compadece melhor com a natureza das Constituições rígidas e sobretudo com o centro de sua inspiração primordial - a garantia da liberdade humana, a guarda e proteção de alguns valores liberais que as sociedades livres reputam inabdicáveis. A introdução do sobredito controle no ordenamento jurídico é coluna de sustentação do Estado de direito, onde ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis.
Quanto
às formas de exercício desse controle, dar-se-á de maneira difusa
ou concentrada. Aquela confere um amplo poder aos juízes e ocorre
sempre que há um questionamento incidental sobre a
inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. É tarefa
atribuída a todos os órgãos do Poder Judiciário com função
jurisdicional, como os juizes ou tribunais. Também conhecido por
via de exceção, referido controle geralmente se configura como uma
forma indireta de se declarar a inconstitucionalidade de uma lei,
visto que os efeitos dessa declaração são inter
partes,
claro, ressalvada a possibilidade de também ser atribuído o
efeitos erga
omnes,
desde que reste configurado o procedimento disposto no Art. 52, X,
CRFB/881.
Mauro
Cappelletti (1984, p.67) ao discorrer sobre os órgãos incumbidos
desse controle, destaca como esse se realiza:
-
o “sistema difuso”, isto é, aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência; e
-
o “sistema concentrado”, em que o poder de controle se concentra, ao contrário, em um único órgão judiciário.
O
controle pela via concentrada, sobre o qual deteremos maior atenção,
face sua maior incidência e relevância ao estudo realizado no
presente trabalho, é aquele deferido somente ao tribunal de cúpula
do Poder Judiciário ou a uma corte especial para ser o guardião da
Constituição.
No
Brasil, a análise abstrata da lei em face da Constituição Federal
é de competência do Supremo Tribunal Federal.
O
controle concentrado tem natureza objetiva, ou seja, e, diversamente
do controle difuso, possui um reduzido rol de legitimados ativos,
taxativamente previstos no Art. 103 da CRFB/88, quais sejam: o
Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do
Senado Federal, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara
Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do
Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com
representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou
entidade de classe de âmbito nacional. A propósito, cumpre
destacar que, em criação jurisprudencial, o Supremo Tribunal
Federal dividiu esses legitimados ativos em dois grupos:
Os
Legitimados Universais ou neutros, que são aqueles que presumimos o
interesse de agir, ou seja, não precisam demonstrar pertinência
temática. São eles: Presidente da República, Procurador Geral da
República, mesa do Senado Federal, mesa da Câmara dos Deputados,
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Partido Político
com representação no Congresso Nacional. Há também os
Legitimados Especiais ou interessados, que são aqueles que precisam
demonstrar a pertinência temática, ou seja, o vínculo subjetivo
entre as funções que desempenham e a norma que será impugnada.
São eles: Mesa da Assembleia Legislativa, Governador de Estado,
Confederação Sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Fonte:
Internet.
|
Ainda
no tocante aos legitimados ativos, é relevante salientar que o
Presidente da República, mesa do Senado Federal, mesa da Câmara
dos Deputados, mesa de Assembleia Legislativa, o Governador de
Estado, a mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa
do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal,
o Procurador-Geral da República e o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil têm capacidade postulatória para propor a ação
direta de inconstitucionalidade. O Partido político com
representação no Congresso Nacional, a Confederação Sindical e a
Entidade de Classe em âmbito nacional, por sua vez, não possuem
capacidade postulatória, necessitando de estarem representados por
advogado para que a ação seja conhecida.
Referido
controle pode ser realizado por meio das seguintes ações: Ação
Direta de Inconstitucionalidade Genérica, Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão, Representação Interventiva e
Ação Declaratória de Constitucionalidade.
Todavia,
dentre as ações acima epigrafadas, cumpre-nos dar destaque à Ação
Direta de Inconstitucionalidade a ser julgada pelo STF, tema
fundamental desse estudo, razão pela qual se passa agora à sua
análise.
É
a mais antiga de nosso ordenamento jurídico. Introduzida no Direito
Brasileiro pela Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro de
1965, com o nome de Representação, a ação direta de
inconstitucionalidade (ADI) é um dos instrumentos que materializa o
controle de constitucionalidade concentrado, visando declarar a
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais ou
estaduais que guardem contrariedade com a Constituição da
República Federativa do Brasil, buscando sua invalidação.
-
Conceito
Conhecida
doutrinariamente por ADI genérica, essa ação, regulamentada pela
Lei n° 9.868/99, é um instrumento utilizado no chamado controle
direto de constitucionalidade das leis e atos normativos frente à
CRFB/88, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, tendo por objetivo
retirar do ordenamento jurídico a lei contemporânea estadual ou
federal que seja incompatível com a Constituição.
Sobre
o tema, Marinoni; Sarlet; Mitidiero (2012, p. 905):
A razão de ser de uma ação em que se pede exclusivamente declaração de inconstitucionalidade advém da necessidade de se eliminar da ordem jurídica norma que seja incompatível com a Constituição. Tutela-se, assim, a ordem jurídica. A decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos erga omnes, resultando inquestionável diante de todos, e, na mesma medida, a norma não mais aplicável.
Dessa
forma, cumpre destacar que, uma vez declarada a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por uma ação direta
de inconstitucionalidade, atribui-se à decisão os efeitos erga
omnes, ex tunc
e vinculante, em regra, em relação aos órgãos do Poder
Judiciário e da Administração Pública federal, estadual,
municipal e distrital.
É
oportuno observar que, no que diz respeito ao efeito ex
tunc, é
facultada
a modulação de referido efeito à nossa Corte Suprema, tema que
será abordado com mais detalhes quando do estudo do procedimento da
ADI.
-
Elementos Essenciais do controle de constitucionalidade via ADI
Repise-se
que a proteção e a defesa da Constituição se configuram por
intermédio de um exame de compatibilidade vertical de um ato
infraconstitucional em relação ao parâmetro constitucional,
também denominado bloco de constitucionalidade.
Cumpre
observar que referido parâmetro consiste em um conjunto de normas
da Constituição, que se toma como alicerce para que uma lei tenha,
caso divergente com ele, sua inconstitucionalidade declarada.
Sobre
esse parâmetro, é salutar frisar que há uma tendência a ampliar
o conceito desse paradigma de confronto.
Face
essa nova perspectiva, destacamos ser de extrema relevância a
compreensão, em sua completude, da composição desse paradigma de
controle, porque a delimitação de seu conceito nos indicará o que
é constitucional ou não. Nesse sentido, afigura-se salutar
determinar os elementos essenciais do controle de
constitucionalidade (elementos temporal e conceitual de bloco de
constitucionalidade), tema já explorado pelo Ministro do Supremo
Tribunal Federal Celso de Mello, quando do julgamento da ADI n°
595-ES.
Sobre
o tema, destaco trecho do voto do Ministro Celso de Mello em
referida ADI, que pode ser verificado no Informativo n° 258/STF.
Senão vejamos:
[...] A busca do paradigma de confronto, portanto, significa, em última análise, a procura de um padrão de cotejo, que, ainda em regime de vigência temporal, permita, ao intérprete, o exame da fidelidade hierárquico-normativa de determinado ato estatal, contestado em face da Constituição. Esse processo de indagação, no entanto, impõe que se analisem dois (2) elementos essenciais à compreensão da matéria ora em exame. De um lado, põe-se em evidência o elemento conceituai, que consiste na determinação da própria idéia de Constituição e na definição das premissas jurídicas, políticas e ideológicas que lhe dão consistência. De outro, destaca-se o elemento temporal, cuja configuração torna imprescindível constatar se o padrão de confronto, alegadamente desrespeitado, ainda vige, pois, sem a sua concomitante existência, descaracterizar-se-á o fator de contemporaneidade, necessário à verificação desse requisito.
No
tocante ao elemento temporal, merece guarida o pacífico
entendimento do STF no sentido de não admitir a interposição de
ADI para atacar lei ou ato normativo revogado ou de eficácia
exaurida, restando configurada a hipótese de prejudicialidade da
ação direta. Cabem aqui algumas decisões, in
verbis:
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 15.227/2006 do Estado do Paraná objeto de fiscalização abstrata. 3. Superveniência da Lei estadual 15.744/2007 que, expressamente, revogou a norma questionada. 4. Remansosa jurisprudência deste Tribunal tem assente que sobrevindo diploma legal revogador ocorre a perda de objeto. Precedentes. 5. Ação direta de inconstitucionalidade prejudicada. (ADI 3885, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 27-06-2013 PUBLIC 28-06-2013)EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Decreto n° 153-R, de 16 de junho de 2000, editado pelo Governador do Estado do Espírito Santo. ICMS: concessão de crédito presumido. Liminar deferida pelo pleno desta corte. Revogação tácita. Perda de objeto. 1. O Decreto n° 1.090-R/2002, que aprovou o novo regulamento do ICMS no Estado do Espírito Santo, deixou de incluir no rol das atividades sujeitas a crédito presumido do tributo “as operações internas e interestaduais com mercadoria ou bem destinados às atividades de pesquisa e de lavra de jazidas de petróleo e gás natural enquadrados no REPETRO”, as quais eram objeto de impugnação na presente ação direta. 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade, por perda superveniente de objeto, quando sobrevêm a revogação da norma questionada. Precedentes. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada, em razão da perda superveniente de seu objeto. (ADI 2352, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00013)
Ademais,
destaque-se que as normas pré-constitucionais e as normas
constitucionais originárias também não são passíveis de
controle de constitucionalidade via Ação Direta de
Inconstitucionalidade, tendo em vista que estas são fruto do poder
constituinte originário, que é ilimitado e incondicionado
juridicamente, enquanto aquelas são passíveis de revogação, caso
sejam incompatíveis com os preceitos da nova ordem constitucional
vigente.
Nesse
sentido, Temer (2008, p. 50):
A norma questionada na ação direta de inconstitucionalidade deve ser lei ou ato normativo federal ou estadual pós-constitucionais. O STF entende que eventual colisão entre o direito pré-constitucional e a Constituição vigente deve ser resolvida pela jurisdição ordinária, de acordo com os princípios de direito intertemporal (lex posterior derrogat priori). No entanto, a arguição de descumprimento de preceito fundamental admite tal confronto (...) (grifo nosso).
Dessa
forma, cumpre enfatizar que, além das normas de Constituições
anteriores e das constitucionais originárias, as normas
constitucionais já revogadas ou as normas constitucionais do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que já
tiveram sua eficácia exaurida, ou seja, já produziram todos os
seus efeitos, não podem ser usadas como parâmetro de controle de
constitucionalidade.
Com
relação ao elemento conceituai, há doutrinariamente duas
posições: uma restritiva, que afirma que o parâmetro
constitucional se limita às normas e princípios formalmente
previstos no texto constitucional; e outra ampliativa, englobando
não apenas as normas e princípios expressos na Constituição, mas
também os princípios implícitos da ordem constitucional global e
valores suprapositivos, que, segundo o Ministro Celso de Mello,
ainda na ADI 595-ES, são:
[...] considerados não apenas os preceitos de índole positiva, expressamente proclamados em documento formal (que consubstancia o texto escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam havidos, igualmente, por relevantes, em face de sua transcendência mesma, os valores de caráter suprapositivo, os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado.
Tendo
em vista ambas as perspectivas acima apontadas, cumpre destacar que
o conceito majoritariamente aceito na doutrina e jurisprudência
atual - inclusive do Supremo Tribunal Federal - de bloco de
constitucionalidade é aquele composto apenas pelas normas
formalmente
constitucionais.
Como
efeito, o parâmetro da ação direta de inconstitucionalidade não
se restringe apenas à parte permanente da Constituição (Arts. 1º
ao 250), tendo abrangência transcendente, utilizando-se, também,
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Art. 1º ao
Art. 100), Princípios Implícitos e Tratados Internacionais de
Direitos Humanos com aprovação de 3/5, em dois turnos e nas duas
casas legislativas (Art. 5o,
§3° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).
Nesse
sentido, Juliano Taveira Bernardes (apud
LENZA, 2013, p. 328):
[...] no direito brasileiro prevalece a restrição do parâmetro direto de controle que aqui poderia ser chamado de bloco de constitucionalidade em sentido estrito - às normas contidas, ainda que não expressamente, em texto constitucional (normas formalmente constitucionais).
Definido
o que seria o parâmetro do controle de constitucionalidade sobre o
qual as leis ou atos normativos devem guardar compatibilidade,
passemos ao estudo do que pode ou não ser objeto da Ação Direta
de Inconstitucionalidade.
Como
demonstrado, o objeto da ADI será a lei ou o ato normativo federal
ou estadual (Art. 102, I, a,
CRFB/882)
supostamente conflitante, pós-constitucional, que supostamente não
retirou seu fundamento de validade na Lei Maior.
De
modo a esclarecer que leis e atos normativos seriam esses, expomos a
seguir alguns exemplos do que pode ser objeto de ADI:
-
Espécies normativas previstas no Art. 59 da CF/88, quais sejam: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções e Emendas Constitucionais;
-
Regimentos Internos dos Tribunais;
-
Regimentos Internos das Casas do Poder Legislativo;
-
Decretos autônomos (Art. 84, inciso VI, CRFB/88);
-
Tratados Internacionais e Convenções Internacionais.
Cumpre
registrar que, no tocante aos tratados internacionais, não importa
a sua natureza jurídica (se lei ordinária, norma constitucional3
ou supralegal4),
contra todas é possível a propositura de ADI.
Verificado
o conjunto de atos passíveis de controle de constitucionalidade
pela Ação Direta de Inconstitucionalidade, trazemos abaixo um
breve relato do procedimento dessa ação, a qual é regulada
integralmente pela Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999.
-
Procedimento da ADI
A
Lei n° 9.868/99 dispõe sobre o processo e julgamento da ação
direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal,
evidenciando todo o seu procedimento.
A
petição inicial, nos termos do Art. 14, deve indicar o dispositivo
da lei ou do ato normativo questionado, a causa de pedir e o pedido
com suas especificações, sendo oportuno destacar que o STF não
está adstrito à fundamentação jurídica exposta pelo autor, pela
chamada causa de pedir aberta.
Todavia,
o mesmo não ocorre em se tratando do pedido, salvo na hipótese de
inconstitucionalidade por arrastamento ou consequencial, em que
observada a dependência normativa de determinados atos, poderá o
Supremo Tribunal Federal declará-los inconstitucionais, mesmo que
não tenham sido relacionados com os expressamente impugnados na
exordial.
Caso
o relator entenda que essa inicial é inepta, não fundamentada ou
manifestamente improcedente, poderá ele indeferi-la liminarmente,
sendo cabível a interposição de agravo dessa decisão no prazo de
cinco dias, nos termos do Art. 4o,
caput,
e parágrafo único, da Lei n° 9.868/99.
Admitida
a ADI, não será permitida a desistência da ação, e a petição
será encaminhada aos órgãos ou às autoridades que produziram a
lei ou o ato normativo impugnado, os quais deverão prestar
informações no prazo de trinta dias, a contar do conhecimento
formal da ação.
Posteriormente,
será encaminhada, sucessivamente, ao Advogado-Geral da União e ao
Procurador-Geral da República, que terão de se manifestar no prazo
de quinze dias.
Encerrados
os prazos, o relator do processo enviará um relatório, com cópia
a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento, conforme o Art.
9o
da referida lei.
Esse
mesmo Art. 9o,
em seus § § 1o
e 2o,
contém inovações importantes ao possibilitar a apuração de
questões fáticas no controle de constitucionalidade, práticas
anteriormente vedadas no Supremo, o qual entendia que fatos
controvertidos ou que necessitassem de alguma instrução probatória
não poderiam ser apreciados em sede de ADI.
Superado
esse entendimento, o relator, em caso de necessidade de
esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória
insuficiência das informações existentes nos autos, fica
autorizado a solicitar informações adicionais, designar perito ou
comissão de peritos para emitir parecer sobre a questão, ou fixar
data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com
experiência e autoridade na matéria. Resta facultado ao relator,
ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos
Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação
da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.
Sobre
o tema, assim dispõe Bernardo Gonçalves Fernandes (2013, p.
1.125):
Fica claro que o STF, na análise de uma ADI, não trabalha apenas com questões de direito. O STF passa a trabalhar, também, com questões de fato, que não são meramente técnicas, jurídicas.[...] O art. 9o da Lei n° 9.868/99 traz para o Brasil a lógica da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição (Peter Haberle). O STF, literalmente, à luz da dicção legal, chama a sociedade para o debate, pois passa a reconhecer que existem outros intérpretes da Constituição que devem participar do jogo de concretização e de densificação da Constituição. Nesses termos, peritos, especialistas e interessados, como o amicus curiae, são chamados a participar da concretização das normas constitucionais. Embora, é bom que se registre, o intérprete oficial continue a ser o STF. (grifo original)
Concluída
a instrução processual e chegada a data do julgamento, o relator,
caso estejam presentes pelo menos oito ministros na sessão (Art.
22, Lei n° 9.868/99), lerá seu relatório e voto.
Os
demais ministros presentes à sessão podem acompanhar ou divergir
do voto do relator, sendo possível a qualquer deles, ainda, pedir
vista do processo com o fito de estudá-lo, o que acarretará a
suspensão do julgamento.
Ao
final, será declarada a inconstitucionalidade ou a
constitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado, se houver
votação de, no mínimo, seis ministros em um mesmo sentido (Art.
23, Lei n° 9.868/99). Caso contrário, será a sessão suspensa e
marcada outra data para o prosseguimento do julgamento.
A
declaração de inconstitucionalidade possui, em regra, efeitos ex
tunc,
sendo facultado ao Tribunal modular os efeitos de sua decisão, por
maioria de dois terços de seus membros. Assim, poderá o Tribunal
restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só
tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado, conforme previsto no Art. 27 da Lei
n° 9.868/995.
Essa
decisão é irrecorrível, salvo por embargos de declaração,
interpostos a fim de se eliminar uma aparente obscuridade, omissão
ou contradição no acórdão recorrido.
Cumpre
frisar que, de acordo com o Art. 21 da lei ora em comento, há a
possibilidade de a inicial trazer também pedido de cautelar,
ocasião em que haverá diferenças no trâmite acima exposto,
principalmente nos prazos de manifestação, que serão reduzidos.
Essas mudanças visam dar eficácia às cautelares, medidas essas
requeridas em situações de urgência.
Assim,
desde que comprovada a existência de seus requisitos essenciais
(fumus
boni juris
e periculum
in mora),
pode ser deferida a cautelar pelo Supremo por decisão da maioria
absoluta de seus membros.
A
concessão dessa cautelar importa na suspensão do julgamento de
qualquer processo em andamento perante o Supremo Tribunal Federal,
até a decisão final na ação direta de inconstitucionalidade.
Embora provisória, referida concessão será dotada, em regra, de
efeitos erga
omnes
e ex
nunc,
salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia
retroativa, por meio do mecanismo processual da modulação dos
efeitos anteriormente explicado.
Outrossim,
afigura-se essencial destacar hipótese mais célere de tramitação
do procedimento da ADI, prevista no Art. 126
da Lei n° 9.868/99, que permite ao relator, levando em consideração
questões singulares do caso, submeter a matéria diretamente ao
Tribunal.
É
de extrema relevância evidenciar essa hipótese de trâmite
diferenciado do Art. 12 da Lei n° 9.868/99, tendo em vista que as
Ações Diretas de Inconstitucionalidade de n° 4887, 4888 e 4889,
importantes para o presente trabalho, estão em andamento no Supremo
Tribunal Federal sob esse rito, conforme decisão monocrática da
Ministra Relatora Carmem Lúcia. Senão vejamos:
ADIs 4887,4888 e 4889: Min. Carmem Lúcia: “(...) 3. Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Congresso Nacional, para que as preste no prazo máximo e improrrogável de dez dias. Na seqüência, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e igualmente improrrogável e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/99). Publique-se”.
Do
exposto, como já determinados todos os ritos possíveis para o
trâmite de uma ação direta de inconstitucionalidade, inclusive o
adotado nas ações que interessam ao nosso estudo, passemos à
análise do controle de constitucionalidade das Emendas
Constitucionais.
-
Controle de Constitucionalidade das Emendas Constitucionais
As
Emendas Constitucionais são uma das espécies normativas que podem
ser objeto de uma ADI, ou seja, podem sofrer controle de
constitucionalidade por via desta ação.
Frise-se
que as famosas PECs (Propostas de Emendas à Constituição) não
são passíveis de controle por meio de ADI, uma vez que só podem
ser objeto dessa ação leis e atos normativos já editados e
publicados. Porém, é viável, segundo o STF, a impetração de
mandado de segurança por parlamentar, com a finalidade de ilidir
proposta de emenda com procedimento incompatível com os preceitos
constitucionais.
Conquanto
normalmente ocorra o controle de constitucionalidade entre normas
infraconstitucionais face à Constituição, é salutar destacar que
as Emendas Constitucionais, mesmo dotadas de status
de norma constitucional, são passíveis sim de apreciação no
juízo de constitucionalidade, tendo em vista não serem oriundas do
Poder Constituinte Originário.
As
Emendas à Constituição são fruto do Poder de Reforma, o qual foi
constituído para alterar nossa Lex
Legum
quando necessário, de modo a conformá-la com os anseios da
sociedade, prevenindo assim um engessamento do texto constitucional
e possíveis rupturas da ordem constitucional decorrentes de sua
estagnação.
Criado
pelo Poder Constituinte Originário, o Poder de Reforma está
condicionado pelas regras impostas por aquele, haja vista se
encontrar limitado pelas normas expressas e implícitas da
Constituição de origem.
O
Poder Constituinte Originário, este sim, detém poder ilimitado
juridicamente, incondicionado7
e autônomo, visto ser aquele que instaura uma nova ordem jurídica,
rompendo com a ordem precedente.
Ao
passo que o Poder de Reforma, que se dá por meio de Emendas e são
a única forma de se alterar formalmente a Constituição vigente,
encontra restrições na própria CRFB/88 estabelecidas pelo Poder
Constituinte Originário.
Nesse
sentido, vejamos o que Luís Roberto Barroso (2012, p. 198) leciona
sobre o tema:
[...] pacífica a possibilidade de controle de constitucionalidade de emenda à Constituição. Sujeita-se ela à fiscalização formal — relativa à observância do procedimento próprio para sua criação (art. 60 e § 2o) — e material: há conteúdos que não podem constar de emenda, por força de interdições constitucionais denominadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4o). De parte isto, a Constituição prevê, também, limitações circunstanciais ao poder de emenda, que não poderá ser exercido na vigência de intervenção federal, de estado de defesa e de estado de sítio (art. 60, § 1o).
Cumpre
ressaltar que as Emendas Constitucionais sofrem, pela CFRB/88,
limitações formais ou procedimentais (Art. 60,1, II, III, e §§
2o,
3o
e 5o),
circunstanciais (Art. 60, § 1o)
e materiais (Art. 60, § 4o
e todo o bloco de constitucionalidade).
Todavia,
essas limitações de nada valeriam se não fosse possível o
controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais pelo
Poder Judiciário.
Sobre
o tema, preconiza Temer (2008, p. 146):
Assim, projeto de emenda só pode converter-se em norma constitucional se obediente a processo legislativo especialmente previsto e abrigando conteúdo não destoante do texto constitucional.Evidentemente, se uma emenda constitucional trouxer modificação, por exemplo, do sistema tributário, vulnerando princípios, ou em desobediência à forma determinada para sua produção, não se admite sua introdução na Constituição. Se vier a introduzir-se, é passível de declaração de inconstitucionalidade.Convém notar que o texto constitucional abriga vedações explícitas e implícitas.[...]As implícitas são as que dizem respeito à forma de criação de norma constitucional bem como as que impedem a pura e simples supressão dos dispositivos atinentes à intocabilidade dos temas já elencados (art. 60, § 4o da CF).
Frente
às demasiadas Emendas no ordenamento brasileiro e seu crescente
número, afigura-se fundamental o mecanismo de controle de
constitucionalidade, para que se possa expurgar de nosso ordenamento
as Emendas contrárias aos fundamentos e princípios constitucionais
e, com isso, se consiga manter incólume a unidade da Constituição.
Na
vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já
teve, algumas vezes, a oportunidade de apreciar a
(in)constitucionalidade de Emendas à Constituição, tendo nossa
Corte Suprema afirmado pacificamente sua competência para julgá-las
via ADI.
Destacam-se
a seguir apenas duas delas, a ADI 939/DF e a ADI 2395/DF.
A
primeira ação declarou inconstitucional a EC n° 3/93 por violação
a princípios e normas imutáveis da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, enquanto a segunda foi julgada
improcedente face à inexistência de afronta à forma federativa do
Estado, cláusula pétrea. Senão vejamos:
Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (ADI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755) Sic! (grifo nosso).EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional no 15/1996, que deu nova redação ao § 4o do art. 18 da Constituição Federal. Modificação dos requisitos constitucionais para a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios. 3. Controle da constitucionalidade da atuação do poder legislativo de reforma da Constituição de 1988. 4. Inexistência de afronta à cláusula pétrea da forma federativa do Estado, decorrente da atribuição, à lei complementar federal, para fixação do período dentro do qual poderão ser efetivadas a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios. Precedente: ADI n° 2.381-1/RS, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001. 5. Ação julgada improcedente. (ADI 2395, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2007, DJe-092 DIVULG 21-05-2008 PUBLIC 23-05-2008 EMENT VOL-02320-01 PP-00122 RTJ VOL-00205-02 PP-00618).
Esses
são apenas dois dos inúmeros precedentes do STF relacionados com o
controle jurisdicional de emendas constitucionais.
Assim,
resta clarividente que nossa Suprema Corte não tem encontrado
problemas para analisar e, em concordando com o requerente, declarar
a inconstitucionalidade de normas editadas pelo Poder Constituinte
de Reforma.
Por
essa razão, afigura-se plenamente possível o julgamento das ADIs
n° 4887, 4888 e 4889, em trâmite no Supremo — objetos do
presente trabalho — vez que pugnam pela declaração de
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de
dezembro de 2003, que tratou da chamada Reforma da Previdência.
O
processo legislativo para a elaboração e formação das espécies
normativas, dentre as quais merecem destaque as Emendas à
Constituição, devem passar por um trâmite específico com as
seguintes etapas: iniciativa, votação, promulgação e publicação.
Dentre
elas, cumpre-nos destacar, face sua relevância para o
desenvolvimento do tema do presente trabalho, a fase de votação,
na qual, constatadas irregularidades em seu processo, maculam a lei
aprovada por vício de inconstitucionalidade.
Em
específico, neste trabalho, examinar-se-á a possibilidade de
inconstitucionalidade por vício decorrente da quebra de decoro
parlamentar.
Sobre
o tema, Pedro Lenza (2013, p. 273) defende que a irregularidade na
fase de votação implica em malferimento da prerrogativa
parlamentar mais relevante, o voto, podendo, portanto, macular todo
o processo legislativo de formação das Emendas.
Destarte,
a quebra de decoro parlamentar ocasiona vício de
inconstitucionalidade, ao se infringir os deveres parlamentares
previstos no Art. 55, § Io
da CRFB/88 e diversos princípios constitucionais, como os da
moralidade e da representação popular. Nesse sentido, assevera o
autor:
Como se sabe e se publicou em jornais, revistas etc., muito se falou em esquema de compra de votos, denominado “mensalão”, para votar de acordo com o governo ou em certo sentido.As CPIs vêm investigando e a Justiça apurando, e, uma vez provados os fatos, os culpados deverão sofrer as sanções de ordem criminal, administrativa, civil etc.O grande questionamento que se faz, contudo, é se, uma vez comprovada a existência de compra de votos, haveria mácula no processo legislativo de formação das emendas constitucionais a ensejar o reconhecimento de sua inconstitucionalidade.Entendemos que sim, e, no caso, trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § Io, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.Dito isso, cabe lembrar que, no julgamento da AP 470 (conhecida como “mensalão”), ficou demonstrado o esquema de corrupção para compra de apoio político (matéria pendente). (LENZA, 2013, p.273) (grifo original)
Assim
sendo, destaca-se a importância da compreensão do conceito de
decoro parlamentar, para que, em seguida, seja possível verificar a
ocorrência de sua violação, o que ensejaria, segundo Lenza, a
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, notadamente as
Emendas Constitucionais.
-
Conceito de decoro parlamentar
O decoro
parlamentar traz a ideia de dignidade, decência, honestidade dos
deputados e senadores no exercício parlamentar.
José
Anacleto Abduch Santos (2008, p. 751), sobre o conceito de decoro
parlamentar, assim leciona:
[...]
o decoro parlamentar é o “conjunto de princípios éticos e
normas de conduta que devem orientar o comportamento do parlamentar
no exercício de seu mandato”. Logo, decoro parlamentar, como
conduta exigível do parlamentar, é espécie do gênero decoro
(conduta exigível de todas as pessoas que pretendem bem viver em
sociedade, exercendo seus direitos e respeitando os direitos
alheios).
Dessa
forma, cumpre asseverar que os parlamentares estão sujeitos a um
código de ética e decoro parlamentar, que estabelece os princípios
éticos e as regras básicas que devem orientar a conduta dos que
estejam no cargo de senador ou de deputado.
Nossa
atual Constituição, em seu Art. 55, § 1o,
estabelece que “é incompatível com o decoro parlamentar, além
dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas
asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de
vantagens indevidas”.
Ocorre
que, muito embora as condutas que desvelam a quebra de decoro
parlamentar estejam definidas na Constituição ou nos Regimentos
Internos das Casas Legislativas, que por sinal não vão muito além
da redação do dispositivo constitucional supratranscrito, seu
conceito continua relativamente indeterminado.
Ao
explicar o motivo para essa indeterminação, Carla Costa Teixeira
(1996, p. 124) leciona que “o decoro parlamentar, como um código
de honra, precisa se referir aos valores de uma época e de um
grupo. Vem daí sua necessária imprecisão, sua natureza avessa à
plena tradução em atos especificados juridicamente”.
Todavia,
apesar de indeterminado, é possível se depreender, conforme as
palavras do Procurador do Estado do Paraná, José Anacleto Abduch
Santos (2008, p. 751), que “o parlamentar deve guardar conduta
compatível com a dignidade da função pública e do mandato
recebido - o que deve ser interpretado em conformidade com os
princípios constitucionais a que estão sujeitos os agentes
públicos”.
Do
exposto, verifica-se que a conduta de todo parlamentar deve estar
pautada em conformidade com um conjunto de princípios éticos e,
sobretudo, constitucionais, de modo a permanecer dignificada a
Instituição do Parlamento.
E
uma dessas condutas claramente atentatórias ao dever de decoro
parlamentar é a compra de votos de parlamentares, que deixam de
prestar com dignidade sua função precípua para votar de acordo
com interesses escusos, ferindo uma série de princípios
constitucionais, conforme se verificará a seguir.
A
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu
Art. 1o,
afirma nosso País como um Estado Democrático de Direito em que
todo o poder é do povo, emana dele, e em seu nome é exercido, seja
mediante sua participação direta ou por meio de representação
política. In
verbis:
Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:- a soberania;- a cidadania;- a dignidade da pessoa humana;- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;- o pluralismo político.Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo nosso).
Resta
claro, assim, que nossa Constituição adota um regime de governo
que se funda no princípio democrático, mais precisamente em uma
democracia representativa e participativa, ou seja, semidireta, em
que se configura a predominância das formas clássicas da
democracia representativa sobre os mecanismos da democracia direta,
expressos no Art. 14, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa
popular. In
verbis:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:- plebiscito;- referendo;- iniciativa popular.Sobre o tema, José Afonso da Silva (2010, p. 131) assevera:A democracia, em verdade, repousa sobre dois princípios fundamentais ou primários, que lhe dão a essência conceituai: (a) o da soberania popular, segundo o qual o povo é a única fonte do poder, que se exprime pela regra de que todo o poder emana do povo', (b) a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva expressão da vontade popular, nos casos em que a participação é indireta, surge um princípio derivado ou secundário: o da representação, (grifo do autor)
Todavia,
resta lembrar que há inúmeras limitações impostas à
participação popular, que acabam distanciando os cidadãos do
processo legislativo, e toma os mecanismos de participação direta
da população como, no mínimo, de difícil aplicação prática.
A
maior prova disso é que, passados mais de vinte anos da promulgação
da Constituição cidadã, aconteceram apenas duas consultas
populares: o plebiscito de setembro 1993 (art. 2o,
ADCT-CF), pelo qual o eleitorado definiu a forma e o sistema de
governo; e o referendo de outubro de 2005, que decidiu pela
não-proibição da comercialização de armas e munições no País.
O
sistema eleitoral vigente privilegia os atuais mandatários e acaba
por servir meramente como instrumento de legitimação superficial
dos governantes, que continuam a perseguir interesses julgados por
eles importantes.
Destarte,
poderiam ser levadas ao debate público as fases de elaboração e
aprovação das leis, dando maior oportunidade de participação na
produção de um consenso. Alavancava- se maior espaço para a
cidadania, respeitando a vontade popular. Isso de maneira alguma
afrontaria a democracia representativa, mas, na democracia
semidireta, não se pode deixar a sociedade tão alheia às
principais decisões, pois uma sociedade só se torna efetivamente
democrática na medida em que o povo participe efetivamente das
decisões políticas do Estado.
Note-se
que, na representação política, deve haver delegação temporária
por parte do povo de cota de seu poder soberano concretizada por
mandato conferido aos seus representantes, os quais, eleitos pelo
voto, detêm esse múnus
público de legislar em nome do povo e segundo seus anseios.
Portanto,
deve-se concretizar o princípio
da soberania popular, pois
o poder soberano do povo tem apenas o seu exercício transferido aos
seus representantes, os quais, a seu turno, devem atender as
necessidades da população.
A
soberania popular é, portanto, corolário do exercício da
democracia representativa, sem olvidar que a novel Constituição
cuida também da democracia participativa pelos mecanismos acima
explanados.
Os
representantes do povo são escolhidos por meio de eleições
periódicas, em que os vencedores são investidos em mandatos
temporários para o exercício da função parlamentar.
E
como já explanado, a conduta desses parlamentares deve estar
norteada por princípios éticos e jurídicos, de tal forma que se
respeitem e se cumpram os compromissos firmados quando de sua
candidatura.
Todavia,
no Brasil, tem-se verificado a crise desse modelo representativo,
tendo em vista, principalmente, que seus postulados não vêm sendo
obedecidos.
Hodiernamente,
muitos parlamentares já não representam mais o povo, que, por sua
vez, não participa ativamente do processo de tomadas de decisões
políticas.
Deparamo-nos
cada vez mais com tristes episódios que maculam a legitimidade da
representação popular. Incidentes como o do “mensalão” acabam
por desacreditar o sistema representativo.
Salvo
raras exceções de parlamentares que prestigiam o sentido de
democracia e que laboram com seriedade, vivemos atualmente sob uma
ilusória representação popular.
Na
lição de José Afonso da Silva (2010, p. 140), citando Luís
Carlos Sáchica:
A representação é montada sobre o mito da “identidade entre povo e representante popular” que tende “a fundar a crença de que, quando este decide é como se decidisse aquele, que o segundo resolve pelo primeiro, que sua decisão é a decisão do povo;...que, em tal suposição, o povo se autogoverna, sem que haja desdobramento, atividade, relação intersubjetiva entre dois entes distintos; o povo, destinatário das decisões, e o representante, autor, autoridade, que decide para o povo”.
É
nessa crise de representação que se localiza a raiz de todos os
problemas do sistema representativo. Ela constitui um dos mais
sérios obstáculos à consolidação da democracia no Brasil.
O
parlamentar, uma vez eleito, sujeita-se a diversos princípios
constitucionais e, como todo agente público, tem o dever de decoro,
in
casu,
de decoro parlamentar, que seria a conduta exigível dos
representantes atuantes nas casas legislativas.
Ora,
é clarividente que os deputados e senadores, ao malversarem suas
prerrogativas e deveres parlamentares, estão violando diversos
princípios constitucionais, sendo um deles princípio pilar de
nosso Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio
da representação popular. Ao
procederem sem a necessária ética em seu labor, estão por
desrespeitar o povo em sua representatividade. Digo isso porque a
representação popular não consiste em atribuir um poder absoluto
ao parlamentar, mas uma representação do povo, em que o
representante deve expressar o que o representado quer, de forma
democrática.
Note-se,
ainda, que qualquer ato atentatório ao decoro parlamentar está por
ofender o princípio
da democracia, haja
vista que, ao deixarem de exercer suas funções devidamente, ou
seja, deixando de buscar a satisfação dos interesses de seus
representados para procurar concretizar interesses escusos, estão
esses parlamentares desrespeitando a própria democracia e, porque
não dizer, o Estado Democrático de Direito como um todo.
Ademais,
frise-se a ofensa a outros princípios constitucionais, quando há
quebra do dever de decoro, tais como os princípios
da moralidade e
da probidade
administrativas, também
consagrados pelo Estado Democrático de Direito.
O
princípio da moralidade, expressamente previsto no Art. 37 da
Constituição, e o princípio da probidade administrativa são
institutos que visam impedir as arbitrariedades e desonestidades
estatais, visando sempre o bem comum.
Inobstante
ser difícil estabelecer uma diferenciação entre esses conceitos,
Larissa Freitas Carlos (2000, online)
os diferencia estabelecendo que:
A moralidade administrativa compreende o tipo de comportamento que os administrados esperam da administração pública para a consecução de fins de interesse coletivo, segundo uma comunidade moral de valores, já a probidade na administração vem a ser o agir em consonância com tais valores, de modo a propiciar uma administração de boa qualidade. A moralidade é o genérico, do qual a probidade é uma especialização.
Por
sua vez, sobre o dever do parlamentar de exercer com moralidade e
probidade a sua função, José Anacleto Abduch Santos (2008, p.
752) assim leciona:
O parlamentar, como todo agente público, tem o dever do decoro - dentro e fora do Parlamento! Tem o dever de, com sua conduta, transmitir aos seus outorgantes (o povo) uma mensagem clara de respeito aos padrões sociais contemporâneos de moralidade, ética, honestidade e probidade. O Parlamento é instituição fundamental e indispensável à democracia, e seus integrantes recebem a responsabilidade de exercer com dignidade e honra a função parlamentar e a de prestar contas quanto aos deveres outorgados junto com o mandato recebido - o que inclui o dever de observância das leis e normas vigentes, de retidão moral e de caráter.
Visando
resguardar a moralidade e a probidade administrativa no exercício
de mandatos públicos, foi criada a Lei Complementar n° 135, de 4
de junho de 2010, que estabelece, de acordo com o § 9o
do Art. 14 da Constituição Federal8,
casos de inelegibilidade, prazos de cassação, dentre outras
providências.
A
supramencionada Lei Complementar ficou popularmente conhecida como
“Lei da Ficha Limpa” e determina precipuamente que “aqueles
que não possuírem vida pregressa e comportamento compatíveis com
os princípios da Moralidade e da Probidade Administrativa tornam-se
desonerados e incapacitados dessa árdua e relevante tarefa de
definir os rumos da coletividade” (BELISCO, 2012, online).
Diante
do exposto, resta patente que o parlamentar, ao desrespeitar seu
dever de decoro, infringe uma série de princípios éticos e,
sobretudo, jurídicos, estabelecidos em nossa Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, devendo, portanto, ser
coibida a prática de conduta contrária ao decoro e seus
desdobramentos.
A Primavera de Sandro Botticelli, 1480. |
Embora
seja difícil descrever com exatidão quando um parlamentar
descumpre com seu dever de decoro, analisaremos e teceremos a seguir
breves considerações sobre as três hipóteses previstas em nossa
atual Constituição:
-
os casos previstos nos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;
-
o abuso das prerrogativas asseguradas aos membros do Congresso;
-
a percepção de vantagens indevidas.
Nos
regimentos internos das casas legislativas, as mesmas disposições
da Constituição são repetidas, quase que de mesmo modo, nos Art.
240 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e Art. 32 do
Regimento Interno do Senado Federal.
À
guisa de exemplo, tomemos o regimento da Câmara dos Deputados e
demais atos normativos, a fim de explicitar determinadas hipóteses
de quebra de decoro e as medidas disciplinares que visam coibir tais
práticas.
O Código
de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, por exemplo, alarga as
possibilidades de quebra de decoro:
Art. 4o - Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:- abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § Io);- perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55, §1°);- celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando- a a contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados;- fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação;- omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o art. 18.Art. 5o- Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código:- perturbar a ordem das sessões da Câmara ou das reuniões de comissão;- praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa;- praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou comissão, ou os respectivos Presidentes;[...]
É
salutar trazer à baila o Art. 25 do Regimento Interno do Senado, o
qual estabelece que somente dentro do edifício do Senado Federal
poderia o Senador ser responsabilizado pelo exercício de ato
incompatível com o decoro parlamentar. Senão vejamos:
Art. 25. Se algum Senador praticar, dentro do edifício do Senado, ato incompatível com o decoro parlamentar ou com a compostura pessoal, a Mesa dele conhecerá e abrirá inquérito, submetendo o caso ao Plenário, que sobre ele deliberará, no prazo improrrogável de dez dias úteis. (NR)
Todavia,
cumpre frisar que há quem discorde do teor do supracitado
dispositivo, como José Anacleto Abduch Santos (2008, p.752), que
sobre o tema assim assegura:
O parlamentar não é parlamentar apenas entre as quatro paredes do prédio do Parlamento. No Parlamento, exerce a função pública, mas não se despe da condição de parlamentar ao se retirar dele. (...) A conduta do titular de mandato eletivo deve ser exemplar, seja nos trabalhos realizados no exercício da função pública, seja na conduta privada, sob pena de tornar a expressão “decoro parlamentar” uma contradição em termos.
Nesse
mesmo sentido, Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro (2007, online):
[...] decoro parlamentar visa a assegurar e preservar a própria imagem que se tem do Poder Legislativo. E esta imagem, desenganadamente, pode ser afetada por atos de congressistas que não guardem qualquer relação com o efetivo exercício do mandato parlamentar.Nesta linha, no extremo, pode o Congresso Nacional entender que a permanência, na Casa, de parlamentar acusado de estupro afeta, sim, a própria honorabilidade do Parlamento. Trata-se, portanto, de ato completamente destacado da atividade parlamentar (suposta prática de estupro), mas, ainda assim, potencialmente apto a danificar a honra objetiva do Parlamento.Outros exemplos poderiam ser dados, todos eles evidenciadores de que tanto atos públicos, praticados por parlamentares enquanto tal, como atos de índole meramente privada, são virtualmente capazes de atingir o Congresso Nacional. Tanto é assim, que as vedações constitucionais impostas aos parlamentares também se referem a atos que não guardam qualquer relação com o mister congressional. Veja-se, por exemplo, que, desde a expedição do diploma, Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária. Típica limitação que, inspirada pelo princípio da moralidade administrativa, atinge a esfera privada, negociai, empresarial, do parlamentar (CF, art. 54,1, "a"). (Sic!)
Quanto
à questão do abuso das prerrogativas parlamentares, Celso Ribeiro
Bastos (1999, p. 243) afirma que “o abuso das prerrogativas
asseguradas a membro do Congresso Nacional seria o equivalente a
abusar das imunidades outorgadas ao parlamentar para o bom e
independente desempenho de seu cargo”.
E
no que diz respeito ao que seria a percepção de vantagens
indevidas, destacamos que essa pode ser entendida como qualquer
benefício que o parlamentar aufira sem título legítimo do próprio
Estado ou de um particular.
Cumpre
frisar, ainda, que não é necessário que a conduta incompatível
com o decoro parlamentar tenha se dado na vigência do mandato para
que reste configurada violação ao decoro, pois práticas
realizadas em períodos fora do mandato também enfrentam a sua
censura.
Nessa
perspectiva, destaco mais um entendimento de Pinheiro (2007, online)
sobre o tema:
Assim, é desnecessário, para a configuração da quebra de decoro parlamentar, qualquer relação de contemporaneidade entre a prática do ato tido como indecoroso e a titularidade do mandato ou, ainda, qualquer vínculo material de implicação entre a conduta desabonadora e o exercício das funções congressuais. Ao contrário disso, o processo de cassação por quebra de decoro pode validamente se instaurar sempre que a Casa Legislativa, num juízo que lhe é absolutamente privativo, entender que conduta imputada a parlamentar pode comprometer, por sua gravidade mesma, o prestígio social desfrutado pela Instituição.
Igualmente,
ressalte-se que o momento em que referidas condutas indecorosas são
praticadas não se mostra essencial para a configuração de quebra
de decoro e a perda do mandato daí advinda, uma vez que todas essas
hipóteses supramencionadas não foram criadas com o fito de vigiar
o exercício do mandato do parlamentar, mas sim de manter a honra
objetiva do Parlamento.
Para
a concretização do regime democrático, é imprescindível, dentre
outros requisitos, o fortalecimento dos padrões éticos e morais da
sociedade, ante o exorbitante número de casos comprovados de
corrupção em nosso País. Logo, faz-se necessária, para frear
essas práticas indecorosas dos parlamentares, a criação de
mecanismos de punição.
O Código
de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, a título
de exemplo, estabelece, em seu Art. 10, sanções cabíveis aos
parlamentares que infringirem seu dever de decoro:
Art. 10. São as seguintes as penalidades aplicáveis por conduta atentatória ou incompatível com o decoro parlamentar:- censura, verbal ou escrita;- suspensão de prerrogativas regimentais;- suspensão temporária do exercício do mandato;- perda do mandato.Parágrafo único. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a Câmara dos Deputados, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do infrator.
Consoante
previsão constitucional, destaquem-se algumas situações que,
excepcionalmente, podem acarretar a perda de mandato parlamentar
antes de findo o seu prazo, mais precisamente no Art. 55 da CRFB/88:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:- que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;- cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;- que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;- que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;- quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;- que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.(...)§ 2o - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa, (grifo nosso).
Dentre
os casos acima enumerados, cumpre-nos destacar, face sua relevância
para o desenvolvimento de nossa pesquisa, a hipótese decorrente de
procedimento incompatível com o decoro parlamentar.
Conforme
especificado no § 2o
do Art. 55, CRFB/88, essa sanção de perda do mandato é ato
disciplinar de competência privativa da respectiva Casa
Legislativa, a qual pode determinar a cassação do mandato
parlamentar como uma medida disciplinar, mediante votação secreta9
e por quórum de maioria absoluta, após provocação da Mesa da
Câmara ou do Senado, a depender do caso, ou de partido político
com representação no Congresso Nacional.
No
caso da Câmara dos Deputados, é de responsabilidade do Conselho de
Ética e Decoro Parlamentar, criado em outubro de 2001, estabelecer
a abertura de processo disciplinar para a aplicação de penalidades
nos casos de descumprimento de normas relativas à quebra de decoro
parlamentar.
Tramitou
no referido Conselho apenas um processo disciplinar por quebra de
decoro parlamentar, esse contra o deputado Natan Donadon, este que
foi o primeiro caso de parlamentar a cumprir pena no exercício do
mandato.
Esse
deputado encontra-se atualmente preso na penitenciária da Papuda,
em Brasília, em razão de ter sido condenado por sentença penal
transitada em julgado no Supremo Tribunal Federal por crimes de
formação de quadrilha e de peculato, tendo inclusive seu pedido de
revisão criminal sido rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal
recentemente.
Tendo
em vista que a condenação criminal transitada em julgado não
cassa automaticamente o mandato parlamentar, porquanto cabe ao Poder
Legislativo dar a palavra final sobre a perda de mandato10,
o Partido Socialista Brasileiro (PSB) entrou com uma representação
contra Donadon no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara
dos Deputados, visando à cassação de seu mandato por quebra de
decoro parlamentar.
Essa
representação visa resguardar a imagem da Câmara dos Deputados,
uma vez que a manutenção do mandato de um condenado por crimes
contra a Administração Pública macularia a integridade da
Instituição Parlamentar.
Nesse
sentido, o deputado Beto Albuquerque (2013, online),
líder
do PSB na Câmara dos Deputados, em sessão realizada no dia dois de
setembro de 2013, reforçou a representação apresentada por seu
partido político, pronunciando-se sobre o assunto da seguinte
maneira:
[...] Deputado Natan Donadon, que se encontra preso na Papuda, tendo sido condenado criminalmente, e havido transitado em julgado o processo.(...)A conveniência da quebra de decoro parlamentar está em ofensa à integridade da instituição, do Parlamento, de todos os Parlamentares. O que se julga não é o comportamento do Parlamentar em questão, mas, sim, o ferimento mortal do conjunto da instituição, do próprio Poder Legislativo.Então, o conceito abrangente de decoro parlamentar na Constituição se dá exatamente no sentido de que esta Casa tenha, de forma pertinente, o juízo de valor de julgar esse tipo de fato.Hoje, esta Casa não pode negar que está constrangida; não pode negar que está em desconexão com a sociedade brasileira; e não pode negar que há em curso um movimento no sentido de repulsa à decisão tomada.
É
flagrante, portanto, que a manutenção do mandato de Natan Donadon
ofendia a regra do decoro parlamentar, que, consoante outrora
demonstrado, não tem como objetivo tutelar o exercício do mandato,
mas, sim, a honra objetiva do Parlamento.
Sobre
o tema, Pinheiro (2007, online):
A idéia, portanto, em tema de cassação de mandato parlamentar por quebra de decoro, é a preservação da intangibilidade do bem jurídico que se pretende tutelar, qual seja, a respeitabilidade, a honorabilidade, da Instituição Parlamentar. (,..)velar pelo funcionamento das instituições democráticas e pela crença na democracia como o único regime capaz de assegurar o pleno exercício dos direitos fundamentais. (Sic!)
E
foi nesse sentido que assim decidiu o Conselho de Ética da Câmara
dos Deputados, ao, em fevereiro de 2014, e por votação aberta,
condenar o ex-deputado Natan Donadon por quebra de decoro
parlamentar, finalmente cassando seu mandato.
Assim,
as condutas praticadas por parlamentares que atentarem contra os
deveres éticos inerentes ao decoro merecem a devida averiguação e
punição, de modo que eles exerçam seu múnus
público de maneira proba e, com isso, a vontade popular e,
consequentemente, a democracia sejam respeitadas.
Inicialmente,
cumpre frisar que, para a maior parte da doutrina, dentre eles José
Afonso da Silva (2010, p. 47), a incompatibilidade, tecnicamente
denominada de inconstitucionalidade, pode ocorrer de duas maneiras:
(a)
formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades
incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos
estabelecidos pela constituição; (b) materialmente, quando o
conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da
constituição.
Contudo,
merece destaque a hipótese peculiar de inconstitucionalidade
por quebra de decoro parlamentar, a
qual desafia o controle jurisdicional de constitucionalidade,
conforme tese idealizada e lançada por Pedro Lenza em 2005.
A
tese de nova hipótese para o controle de constitucionalidade agora
encontra respaldo para ser aplicada, em razão do julgamento do caso
do “mensalão” na Ação Penal (AP) n° 470, oportunidade em que
se concluiu pela existência de um esquema de compra de votos de
sete parlamentares, para que projetos de lei fossem aprovados de
acordo com os interesses do governo à época. Atualmente, a Ação
Penal se encontra em sede de embargos infringentes no Supremo
Tribunal Federal, e seu mérito já foi amplamente discutido e
analisado, tendo os Ministros se manifestado por diversas vezes no
sentido de que houve, sim, a compra de votos na Câmara dos
Deputados.
Consoante
o decisum
do STF, verifica-se a ocorrência de grave vício no processo
legislativo da Emenda Constitucional n° 41/03. Entretanto, questão
nodal a ser enfrentada pelo STF nas ADIs n°s 4887, 4888 e 4889
reside antes na possibilidade de controle de constitucionalidade por
quebra de decoro parlamentar em face da comprovada existência de
esquema de compra de votos.
Lenza
entende ser possível o controle de constitucionalidade pelo
Judiciário por vício decorrente de quebra do decoro parlamentar
(2013, p. 273):
(...) trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § Io, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.
Frise-se
que, embora desde 2005 Lenza levante a possibilidade de controle de
constitucionalidade por supramencionado motivo, somente agora o
Supremo Tribunal Federal se manifestará sobre esse vício, uma vez
que tramitam na Corte Suprema três ações sobre a matéria.
Nesse
passo, é oportuno registrar que a Associação dos Delegados de
Polícia do Brasil (ADEPOL), a Confederação dos Servidores
Públicos do Brasil (CSPB) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
ajuizaram, respectivamente, as Ações Diretas de
Inconstitucionalidade n°s 4887, 4888 e 4889 no Supremo Tribunal
Federal, tendo as três como relatora a Ministra Carmem Lúcia,
todas com o fito de ver declarada a inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003.
Nesse
sentido, Fonseca (2012, online)
assevera que:
Há algum tempo o Prof. Pedro Lenza vem levantando a discussão sobre a inconstitucionalidade decorrente da quebra de decoro parlamentar. Este assunto já foi até objeto de questionamento em concurso público. O tema é polêmico, não havendo consenso doutrinário sobre ele. Agora o STF terá a oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Tratam-se de ADIs que questionam a Reforma da Previdência (EC n° 41/2003), sob a alegação de que foi aprovada por meio de votos de parlamentares comprados por réus condenados no Mensalão (AP 470).
Passemos
agora a uma breve análise das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade que estão com julgamento pendente no Supremo
Tribunal Federal, atualmente conclusas à relatora Ministra Carmem
Lúcia, ressaltando que, inobstante essas ADIs apresentem também
outros vícios formais e materiais da Emenda Constitucional n°
41/03, no presente trabalho, deter-nos-emos nos argumentos que se
referem a inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar.
Ao
final, destacaremos outros argumentos favoráveis à referida
inconstitucionalidade dessa Emenda por esse vício, além de expor
os argumentos contrários, os quais defendem a sua
constitucionalidade.
Ação
ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, com
pedido cautelar, pugnando pela inconstitucionalidade de toda a
Emenda Constitucional n° 41/2003, em especial do Art. 40, § 7o,
I e II, CRFB/88, com as alterações trazidas pela emenda rechaçada,
bem como pela totalidade da EC n° 47/2005.
Buscaremos,
por enquanto, trazer alguns argumentos que militam em favor da
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/2003 por vício
decorrente de quebra do decoro parlamentar.
A
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil sustentou na
exordial que a Emenda Constitucional n° 41/2003 foi introduzida em
nosso ordenamento jurídico mediante processo legislativo viciado,
uma vez que restou comprovado, na Ação Penal n° 470, a existência
de esquema de compra de votos de deputados federais por integrantes
do Executivo à época, violando princípios como os da moralidade e
da representatividade popular, assegurados por nossa Carta Magna.
Senão vejamos:
[...] afronta ao princípio da moralidade (C.F.. art. 37, caput, tendo em conta que o processo legislativo foi, inequivocadamente, imoral e fraudado, como ficou já demonstrado nos presentes autos (venda de votos). Maculada, destarte, “a essência do voto e o conceito de representatividade popular (C.F., art. Io, § único) (grifo original)
Ao
ser aprovada por meio de procedimento viciado, em que parlamentares
votaram pela aprovação da Emenda por interesses particulares,
resta clarividente que houve vício decorrente da quebra de decoro
parlamentar por ofensa ao Art. 55, § Io,
da CRFB/88, bem como a diversos princípios constitucionais, o que
esvazia a legitimidade da aprovação da Emenda.
Por
conseguinte, toma-se premente a necessidade de se expurgar a Emenda
Constitucional n° 41/2003 de nosso ordenamento.
Nesse
sentido, colaciono trecho da inicial em comento:
Em suma, o vício ocorrido no processo legislativo demonstrado é inequívoco e, portanto, tornam os atos normativos impugnados in totum inconstitucionais e nulos, de forma chapada, data vênia, expressão utilizada, no cotidiano, pelo então Ministro Sepúlveda Pertence, isto é, na espécie, a totalidade das Emendas Constitucionais 41/03 e 47/05. (grifo original)
Por
sua vez, o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do
Rio de Janeiro (SINFRERJ) e o Sindicato Nacional dos Servidores
Federais Autárquicos nos Entes de Formulação, Promoção e
Fiscalização da Política da Moeda e do Crédito (SINAL)
requereram o ingresso no feito na condição de amicus
curiae,
conforme previsto no Art. 7o,
§ 2o,
da Lei n° 9.868/9911.
Cumpre
trazer à baila o Parecer do Procurador-Geral da República, que
reconheceu não haver dúvida de que houve vício na formação da
vontade no procedimento legislativo, e que houve nítida violação
aos princípios democrático e do devido processo legislativo.
Todavia, ao final, alegou não ter havido comprovação de mácula
na vontade de parlamentares em número suficiente para alterar o
quadro de aprovação do ato normativo, e, em respeito ao princípio
constitucional de presunção de não culpabilidade (art. 5o,
LVII, CRFB/88), não poderia ser presumido esse esquema de compra e
venda de votos e apoio político aos demais parlamentares
envolvidos, razão pela qual deu parecer pela improcedência do
pedido autoral.
Os
autos de referida ação, até o momento do fechamento deste
capítulo, estão conclusos à relatora. Aguardemos como o Supremo
Tribunal Federal analisará essa nova hipótese de vício de
inconstitucionalidade.
Nesta
ADI, a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB)
afirmou a inconstitucionalidade dos Arts. Io
e 4o
da Emenda Constitucional n° 41/2003 por contrariarem o disposto no
Art. 55, § Io
da CRFB/88, ao defender que “as normas em questão foram editadas
em um contexto e em uma dinâmica de
vício insanável de decoro parlamentar, vedado
expressamente
no artigo 55. § 1°. da Constituição da República Federativa do
Brasil”.
(grifo
original)
Na
inicial, a parte autora revela a mácula no processo legislativo,
votação da Emenda Constitucional n° 41/2003, ao descrever que:
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470, também já reconheceu a comprovação induvidosa da existência de crime contra a República Federativa do Brasil, crime de lesa-pátria alojado no lamentável fenômeno de quebra de decoro parlamentar à ocasião do processo legislativo de formação e votação da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, publicada no Diário Oficial da União, em 31/12/03, emenda essa que ensejou a malfadada “Reforma da Previdência”, com redução de direitos previdenciários de servidores públicos e a privatização de parte do sistema político de seguridade.
A
Confederação dos Servidores Públicos do Brasil destacou que as
condutas criminosas dos parlamentares envolvidos no esquema
organizado para ampliar a base de apoio do governo na Câmara dos
Deputados acarretaram o malferimento da soberania popular, da
moralidade e da probidade administrativas.
Ademais,
a parte autora salientou a necessária existência de “instrumentos
jurídicos capazes de inibir eventuais desvios de poder ou de
conduta ocorridos quando do exercício da atividade parlamentar”.
Assim, uma vez caracterizada a prática de abuso ou desvio desse
poder, deve o Judiciário agir, a fim de impedir que atos normativos
sejam elaborados e aprovados mediante processo legislativo viciado.
Destaque-se
que a inicial em comento assenta-se em decisão, inaugural no âmbito
do Poder Judiciário sobre o tema, de lavra do magistrado mineiro
Doutor Geraldo Claret de Arantes, que, ao julgar o Mandado de
Segurança n° 002412129593-5, declarou, em 3 de outubro de 2012, em
sede de controle difuso, a inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional n° 41/2003 por vício decorrente da quebra de decoro
parlamentar. Cópia integral da sentença encontra-se em anexo.
Colaciona-se
excerto da decisão supracitada, in
verbis:
[...] EC 41/2003 foi fruto não da vontade popular representada pelos parlamentares, mas da compra de tais votos, mediante paga em dinheiro para a aprovação no parlamento da referida emenda constitucional que, por sua vez, destrói o sistema de garantias fundamentais do estado democrático de direito.
Aguardemos
como o Supremo Tribunal Federal vai se manifestar sobre a matéria;
atualmente, os autos se encontram conclusos à relatora, Ministra
Carmem Lúcia.
A
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4889 ajuizada pelo
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) questiona a
inconstitucionalidade da Reforma da Previdência, visto que restou
comprovada a prática do crime de corrupção passiva de sete
parlamentares, os quais venderiam seus votos para a aprovação de
projetos importantes do governo em troca de benefícios financeiros.
Conforme
a parte autora, estaria, dessa forma, evidenciado o vício de
inconstitucionalidade por violação dos princípios da
representação democrática e da moralidade.
Para
reforçar o exposto, colacionam-se trechos da inicial desta ação:
Está-se diante de uma conduta que comprovadamente afrontou o princípio da representação popular, na forma do quanto arguido. O vício de vontade dos parlamentares, para além de contaminar o de outros parlamentares, que seguiram a orientação do seu partido, num total de 108 votos, contaminou o próprio processo legislativo, que, não pode prevalecer face à patente inconstitucionalidade que o inquina.[...]Inegavelmente, a votação da PEC 40/2003 foi fraudada, corrompida, vilipendiada por dinheiro e razões outras escusas, por exercício de indevido poder político e por meios ilícitos e vedados que burlaram o devido processo legislativo e inconstitucionalmente fixada a Emenda - ferindo notadamente os princípios da moralidade, da ética, da democracia, da representação popular - art. Io, Parágrafo único da CF/88, da boa-fé, da segurança jurídica, do devido processo legislativo - culminou na inconstitucionalidade formal da Emenda Constitucional 41/2003, razão pela qual se requer à essa Corte o controle de constitucionalidade abstrato para declarar a inconstitucionalidade da referida norma, retirando-a do ordenamento.
Por
fim, em sucinta análise das três ADIs que estão aguardando
julgamento no Supremo Tribunal Federal, todas versando sobre o vício
de inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar,
destaca-se a condução dos processos pela relatora Ministra do STF,
Carmem Lúcia, a qual fez por bem atribuir o rito abreviado do Art.
12 da Lei n° 9.868/99, determinando que sejam prestadas com
urgência informações do Congresso Nacional sobre os dispositivos
questionados, abrindo vista ao Procurador-Geral da República e ao
Advogado- Geral da União para manifestação, além de levar a
matéria diretamente ao Plenário do Supremo Tribunal Federal,
consoante trechos do seguinte despacho:
-
Adoto o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99 e determino sejam requisitadas, com urgência e prioridade, informações do Congresso Nacional, para que as preste no prazo máximo e improrrogável de dez dias.
Na seqüência, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador- Geral da República, sucessivamente, para manifestação, na forma da legislação vigente, no prazo máximo e igualmente improrrogável e prioritário de cinco dias cada qual (art. 12 da Lei n. 9.868/99). (grifo original)
Frise-se
que será a primeira vez que nossa Suprema Corte se manifestará
sobre a inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar,
razão pela qual se mostra assaz relevante seu pronunciamento, seja
para declarar a inconstitucionalidade ou constitucionalidade da
Emenda Constitucional n° 41/2003 por esse motivo.
Nesse
ponto, inicialmente, teceremos breves comentários sobre os
argumentos a favor da constitucionalidade da Emenda Constitucional
n° 41/2003, para somente depois destacar os fundamentos favoráveis
à declaração de inconstitucionalidade.
Um
dos fundamentos contrários à inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional n° 41/2003 se baseia na competência exclusiva do
Congresso Nacional para averiguar a ocorrência de quebra de decoro
parlamentar de seus componentes, cuja matéria seria interna
corporis,
o que, por sua vez, impossibilitaria a apreciação pelo Judiciário.
Entretanto,
em que pese a suposta competência exclusiva do Congresso Nacional
para averiguar a ocorrência de quebra de decoro parlamentar, da
análise dos autos da Ação Penal n° 470, não restam dúvidas
acerca da atuação dos parlamentares condenados, que infringiram de
forma aviltante e das mais variadas maneiras as disposições do
Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.
Todavia,
a conduta desses parlamentares também violou princípios expressos
da CRFB/88, razão pela qual se faz necessária à apreciação pelo
Poder Jurisdicional. Inviabilizar a análise dessa questão pelo
Judiciário em casos tão flagrantes como esse, é atentar contra a
soberania popular, a moralidade administrativa e o Estado
Democrático de Direito como um todo.
Frise-se
que não se objetiva com isso, desconstituir a legitimidade ou mesmo
minar a competência das casas legislativas para avaliar o decoro de
seus próprios membros. O que se deseja esclarecer é que, ante a
comprovada existência de compra de votos de parlamentares para
aprovação de propostas de interesse do Governo à época, resta
patente a ofensa a uma série de princípios constitucionais. Logo,
o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, deve
protegê-la dessas “normas compradas”.
É
cediço que cabe somente à respectiva casa legislativa analisar a
conduta atentatória ao decoro praticada por seus integrantes e
puni-los quando necessário, mas - repise- se - o que se está a
defender é a possibilidade de análise pelo Supremo Tribunal
Federal sobre a constitucionalidade de uma norma em razão desse
vício - corrupção dos membros do parlamento no processo
legislativo.
Ademais,
é salutar esclarecer que omitir-se quanto à tarefa de apreciar
referida quebra de decoro parlamentar difere e muito do ato de
declarar a inconstitucionalidade de uma norma em razão dessa
comprovada violação.
Em
outras palavras, o objeto de controle jurisdicional não repousaria
sobre as condutas parlamentares em si mesmas consideradas, mas sim
sobre o resultado final delas. A exemplo do que se defende nas ADIs
n° 4887, 4888 e 4889, a Emenda Constitucional 41/2003, aprovada sob
esse esquema de corrupção parlamentar, seria inconstitucional. Ou
seja, não se trata de tarefa do Supremo Tribunal Federal julgar o
ato do parlamentar em si, mas sim com relação à norma resultante
deste. Se a malversação das prerrogativas parlamentares foi
determinante para o advento da Emenda na ordem jurídica, deve,
portanto, ser declarada inconstitucional, pois já nasceu maculada
pelo vício volitivo representativo.
Outro
argumento a favor da constitucionalidade dessa Emenda reside no fato
de que apenas sete parlamentares, condenados na AP n° 470, estariam
envolvidos nesse esquema de compra de votos. Para os defensores
desse argumento, referido número de parlamentares corrompidos seria
irrelevante frente ao total de votos necessários para a aprovação
da Emenda.
Dessa
forma, não seria tal violação suficiente para comprometer as
votações da PEC n° 40/2003, uma vez que, retirados os votos
viciados, permaneceria respeitado o quórum de três quintos,
necessários à sua aprovação.
Ocorre
que, apesar do reduzido número de parlamentares investigados e
condenados frente ao total de membros presente na Câmara, deduz-se
que a atenção do corruptor se volta para peças importantes no
jogo político, de modo que o “investimento traga resultados”.
Assim, embora não se possa afirmar qualquer desdobramento desse
esquema de compra de votos com precisão, é de se inferir que, no
mínimo, como alguns dos deputados condenados eram líderes de
bancadas de seus partidos políticos, tenham eles influenciado os
demais integrantes de seus partidos, no sentido de se ver aprovada a
PEC n° 40/2003.
Mesmo
que isso não tenha ocorrido, tomamos a dizer que a cormpção de
uns poucos congressistas em sua função precípua, qual seja, votar
pela aprovação de leis, já se afigura suficiente para embasar a
declaração de inconstitucionalidade de norma decorrente dessa
prática. Assim deve se dar, tendo em vista que o mais importante é
a manutenção da ordem pública e do Estado Democrático de
Direito, com o devido respeito aos mais diversos princípios
constitucionais, como os da soberania popular, moralidade e
representatividade popular.
Fonte:
Internet.
|
Cumpre
agora destacar alguns argumentos favoráveis à
inconstitucionalidade da Reforma da Previdência de 2003, em
decorrência do vício de quebra de decoro parlamentar.
Os
que são contrários à constitucionalidade da Emenda Constitucional
n° 41/2003 defendem não haver dúvidas da ocorrência da quebra de
decoro parlamentar pelos deputados envolvidos no esquema de compra
de votos e indiciados na Ação Penal n° 470, visto que a exigência
constitucional do decoro, estatuída no Art. 55, § Io,
CRFB/88, representa justamente a fidúcia que deve existir entre o
eleitor e o eleito, durante o mandato parlamentar.
Ora,
resta claro que os condenados, ao venderem seus votos, deixaram de
exercer seu mandato com a necessária moralidade administrativa,
dignidade e respeito à coisa pública e à soberania popular.
Ao
terem votado de acordo com interesses escusos, estão os deputados
condenados abusando de seu poder, em nítido desvio de finalidade.
Isso
macula não apenas os princípios da moralidade e probidade
administrativa, mas o próprio modelo democrático traçado pela
nossa Constituição atual como um todo, o que, consequentemente,
retira a validade do processo legislativo de formação da Emenda
Constitucional n° 41/2003.
Ante
o exposto, torna-se evidente que permitir a subsistência da Emenda
Constitucional n° 41/2003 implica em desrespeitar uma gama de
princípios e valores estatuídos em nossa CRFB/88, razão pela qual
reputamos essencial a declaração de inconstitucionalidade dessa
Emenda pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que seja ela expurgada
de nosso ordenamento.
Todavia,
cumpre ressaltar que na decisão do STF pode ser aplicado o
instituto de modulação dos efeitos, por razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social, por maioria
qualificada de 2/3 de seus Ministros, podendo-se restringir os
efeitos dessa declaração ou decidir que ela tenha eficácia a
partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser
fixado, conforme Art. 27 da Lei n° 9.868/99.
É
de extrema relevância para o caso essa possibilidade de modulação
de efeitos das decisões proferidas pelo STF no controle concentrado
de constitucionalidade, porque permite uma ponderação e
conciliação dos interesses social, jurídico, político e
econômico, de modo a se resguardar a segurança jurídica no
ordenamento.
Por
enquanto, só nos resta aguardar o pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal sobre o tema nas ADIs n° 4887, 4888 e 4889.
À
vista de tudo quanto se expôs, não há como negar a relevância da
futura análise pelo Supremo Tribunal Federal sobre a suposta
inconstitucionalidade por vício decorrente de quebra do decoro
parlamentar nas ADIs n° 4887, 4888 e 48889, uma vez que referida
tese não teve seu mérito apreciado por nossa Suprema Corte até o
fechamento deste trabalho.
Sobre
o tema do vício decorrente da quebra de decoro parlamentar, é
importante repisar que o Brasil se constitui em um Estado
Democrático de Direito, em que, mediante o sufrágio universal, os
representantes são escolhidos mediante votação para decidirem em
nome de todos os eleitores.
Assim,
ao se constatar que o processo legislativo de formação da emenda
constitucional em análise (Emenda Constitucional n° 41/2003) foi
contaminado pelo vício de representação popular, uma vez que os
parlamentares envolvidos no esquema do mensalão não atuaram no
sentido de traduzir a soberana vontade do povo, mas aprovando-a sob
interesses escusos, há que ser declarada a inconstitucionalidade da
norma, expurgando-a de nosso ordenamento jurídico.
Nesse
contexto, reputamos ser necessária a utilização de uma medida que
prestigie todos os interesses e direitos envolvidos nesta causa, de
forma que a concessão de efeitos ex
tunc,
aplicada, em regra, para as hipóteses de declaração de
inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, não se amoldará
como medida mais adequada ao presente caso.
Considerando
ser permitida a modulação dos efeitos dessa declaração,
recomendamos que o Pretório Excelso conceda, in
casu,
outro prazo de validade da norma, nos moldes previstos no Art. 27 da
Lei n° 9.868/99, de modo que se possibilite ao Congresso Nacional
promover nova votação para aprovar a Emenda Constitucional n°
41/2003 de maneira legítima, ou legislar sobre outra norma que a
substitua.
Dessa
forma, restará prestigiada a segurança jurídica, orçamentária e
os princípios constitucionais aqui defendidos, em especial, a
representatividade popular.
Ante
o exposto, para concluir, restou plenamente demonstrada, por meio de
ampla pesquisa bibliográfica, a relevância do presente tema, uma
vez ser de interesse de toda a sociedade brasileira a necessária
correção de lesão ocorrida, com a aprovação irregular da
Reforma da Previdência, ao Estado Democrático de Direito e
diversos outros preceitos constitucionais. É de se frisar que
servirá, ainda, para futuros casos em que possam subsistir dúvidas
acerca da legitimidade de Emendas Constitucionais e até mesmo de
outras leis assim aprovadas, sendo possível as suas exclusões de
nosso ordenamento jurídico caso haja incompatibilidade com a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
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Acesso em 19 de setembro de 2013.
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etronico.isf?seqobietoincidente=4345096.
Acesso em 19 de setembro de 2013.
. Informativo n° 258
do STF. Disponível
em:
http://www.stf.ius.br/arquivo/informativo/documento/informativo258.htm.
Acesso
em 10 de setembro de 2013.
1
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
omissis
X
- suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal;
2
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
-
- processar e julgar, originariamente:
a)
a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade
de lei ou ato normativo federal;
3
Art.
5o
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)
§
3o
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais.
4
RE n° 466.343.
5
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal,
por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos
daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir
de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser
fixado.
6
Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da
relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem
social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das
informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do
Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República,
sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo
diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar
definitivamente a ação.
7
J.
J. Gomes Canotilho, Direito
constitucional e teoria da Constituição,
7. Ed., p. 81, em sentido contrário, observa que o poder
constituinte originário “[...]é estruturado e obedece a padrões
e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais
radicados
na consciência jurídica geral da comunidade, nesta medida,
considerados como ‘vontade do povo’”.
8
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal
e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos
termos da lei, mediante:
(...)
§
9o
Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os
prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade
administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada
vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do
exercício de função, cargo ou emprego na administração direta
ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão
n° 4, de 1994)
9
Cumpre destacar a PEC 349/01, já aprovada com unanimidade pela
Câmara e atualmente aguardando votação no Senado Federal, que,
dentre outras medidas, visa dar fim às votações sigilosas, ou
seja, a declaração de perda de mandato por falta de decoro e
condenação criminal sujeita ã análise do Plenário, por exemplo,
deverá ocorrer por votação aberta. Frise-se que, até o momento
da elaboração desse trabalho, referida proposta de emenda à
Constituição não foi votada no Senado.
10
O Senado Federal aprovou recentemente, mais precisamente no dia 11
de setembro de 2013, em primeiro e segundo turnos, a PEC 18/2013,
que determina a perda imediata do mandato de parlamentar condenado
por penas superiores a quatro anos, em sentença definitiva, por
improbidade administrativa ou crime contra a administração
pública. A proposta encontra-se na Câmara e, até o momento, não
foi aprovada.
11
Art.
1-,
§ 2- O relator, considerando a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, poderá, por despacho
irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo
anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Marinho, João Henrique de Brito: O Vício de Inconstitucionalidade por Quebra de Decoro Parlamentar e sua configuração na aprovação da Emenda Constitucional nº 41/2003 com análise das ADIs Nº 4887, 4888 E 4889. Práxis Jurídica, Ano III, N.º 04, 05.11.2016 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/11/o-vicio-de-inconstitucionalidade-por.html>. Acesso em: .
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