Imagem de Tiago Hoisel. |
João
Henrique de Brito Marinho
(Advogado.
Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito
Damásio de Jesus. Graduado em Direito pela Universidade Federal do
Ceará – UFC)
RESUMO:
O presente estudo visa fornecer uma abordagem acerca da importância
da atuação do Poder Judiciário na concretização da reparação
do dano social e da necessidade de normatização de referido
instituto, face a atual ausência de sua regulamentação. Num
primeiro momento, são feitas breves considerações sobre a
responsabilidade civil e seus pressupostos. Ato contínuo, é
realizado um estudo sobre as novas espécies de dano admitidas na
doutrina e na jurisprudência pátrias, com especial enfoque aos
danos morais coletivos e aos danos sociais e suas diferenças. São
então objeto de estudo os posicionamentos doutrinário e
jurisprudencial acerca da aplicação da reparação civil a título
de dano social, instrumento tendente a punir e a coibir a reiteração
de condutas socialmente reprováveis e gravosas ao bem-estar da
coletividade.
ABSTRACT:
This study aims to
provide an approach about the importance of the judiciary role in
implementing the repair of social damage and the need for regulation
of the institute, given the current lack of regulation. At first,
they are made brief remarks on civil liability and its assumptions.
Subsequently, we conducted a study on new kinds of harm admitted in
doctrine and jurisprudence homelands, with special focus on the
collective moral and social damage and their differences. so are the
object of study the doctrinal and jurisprudential positions on the
application of civil remedies in respect of social damage, instrument
aimed to punish and deter the reiteration of socially reprehensible
conduct and burdensome to the community welfare.
KEYWORDS:
Civil law. Civil
responsability. Social damage.
SUMÁRIO:
1 Introdução. 2
Breves considerações sobre a responsabilidade civil e seus
pressupostos. 2.1 Nexo de causalidade. 2.2 Dano. 3 Da
responsabilidade civil por danos sociais. 3.1 Conceito e natureza
jurídica dos danos sociais. 3.2 Dano moral coletivo e dano social –
principais diferenças. 3.3 Análise jurisprudencial sobre a
aplicação de indenizações por danos sociais. 4 Considerações
finais.
1.
INTRODUÇÃO
Fonte: Internet. |
O
presente trabalho objetiva uma análise sobre uma nova espécie de
dano indenizável, os chamados danos sociais, tema que vem sendo
objeto de amplo debate doutrinário e jurisprudencial.
Tomando
como ponto de partida aspectos relevantes da teoria geral da
responsabilidade civil, com especial enfoque para as espécies de
danos indenizáveis, são abordados os danos sociais como uma nova
categoria de prejuízo, estabelecendo as diferenças entre estes e as
outras espécies, sobretudo com relação aos danos morais coletivos,
que possuem maior similitude com os danos sociais.
Em
linhas gerais, dano social seria aquele que, através de uma conduta
socialmente reprovável, dolosa ou culposa, ultrapassa a órbita
individual da vítima, atingindo os direitos difusos e ocasionando
uma diminuição do nível de vida da coletividade, ou seja, de
sujeitos indeterminados ou indetermináveis.
No
direito atual, a tendência é de não deixar a vítima de atos
ilícitos sem ressarcimento, de forma a restaurar seu equilíbrio
moral e patrimonial.
Face
sua relevância no Direito Civil contemporâneo e sua complexidade,
passaremos então à análise do presente objeto de estudo, elaborado
mediante pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, com uma abordagem
dos principais aspectos e características dos danos sociais frente
ao sistema de responsabilidade civil brasileiro.
2.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL E SEUS
PRESSUPOSTOS
Preliminarmente,
antes de adentrarmos no tema do nosso estudo, necessário se faz a
abordagem de alguns pontos relativos ao instituto da responsabilidade
civil, que nada mais é que uma obrigação
de reparar um prejuízo decorrente da violação de um dever jurídico
causador de dano relevante, com o fito de restituir o lesado ao
status
quo ante.
Carlos
Roberto Gonçalves (2012, p. 19) assim define responsabilidade civil:
Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil. Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano.
Em
nosso atual Código Civil, essa violação, ensejadora do dever de
indenizar, pode se dar de duas formas:
-
Ato ilícito civil, configurado nos casos em que a conduta humana é praticada em desacordo com a ordem jurídica, lesionando direitos de outrem, causando-lhe danos. Seu conceito pode ser observado no Art. 186 do Código Civil de 2002:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
-
Abuso de direito, para as hipóteses em que um ato originariamente lícito, mas que por ter sido exercido fora dos limites impostos pelo seu fim econômico-social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, converte-se em ato ilícito, conforme previsto no Art. 187 de nosso Código Civil:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Como
espécies de ato ilícito que são, ambos possuem como consequência
o surgimento do dever de indenizar, desde que coexistam com os demais
pressupostos da responsabilidade civil, que serão analisados a
seguir.
Embora
não haja uma unanimidade sobre quais seriam esses pressupostos, a
doutrina majoritária, a exemplo dos civilistas Flávio Tartuce e
Sílvio de Salvo Venosa, adota a existência de quatro elementos da
responsabilidade civil:
-
Conduta humana;
-
Culpa genérica ou lato sensu;
-
Nexo de causalidade;
-
Dano ou prejuízo.
É
salutar frisar que os elementos supracitados são os adotados pela
Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva, regra geral de nosso
sistema de responsabilidade civil. Não podemos deixar de mencionar a
existência da Responsabilidade Civil Objetiva,
que não adota a culpa genérica como requisito essencial, conforme
parágrafo único do Art. 927 do Código Civil:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo nosso).
Todavia,
dentre os elementos da responsabilidade civil subjetiva acima
epigrafados, cumpre-nos dar destaque ao nexo de causalidade e ao
dano, fundamentais para o desenvolvimento do presente estudo.
2.1.
Nexo de causalidade
O
nexo de causalidade, que deve estar presente em todas as modalidades
de dano para gerar direito à indenização, é o liame ou vínculo
entre a conduta positiva/comissiva ou negativa/omissiva praticada e o
resultado danoso indenizável.
Assim
leciona Flávio Tartuce (2016, p. 513-514) sobre o nexo de
causalidade:
O nexo de causalidade ou nexo causal constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa - ou o risco criado -, e o dano suportado por alguém.(...)Ora, a responsabilidade civil, mesmo objetiva, não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Se houver dano sem que a sua causa esteja relacionada com o comportamento do suposto ofensor, inexiste a relação de causalidade, não havendo a obrigação de indenizar.
Reforçando
a relevância do nexo de causalidade para configurar o dever
indenizatório, acrescenta Caio Mário da Silva Pereira (1994, p.
75):
Para que se concretize a responsabilidade é indispensável se estabeleça uma interligação entre a ofensa à norma e o prejuízo sofrido, de tal modo que se possa afirmar ter havido o dano 'porque' o agente procedeu contra o direito.
Demonstrada
sua imprescindibilidade para a identificação da responsabilidade
civil, seja objetiva ou subjetiva, não podemos esquecer de mencionar
as excludentes de responsabilidade, que devem ser analisadas no caso
concreto com vistas a, via de regra, afastar o nexo de causalidade e,
consequentemente, o dever de indenizar.
As
excludentes de responsabilidade civil se dividem em três espécies,
quais sejam:
-
Culpa exclusiva de terceiro;
-
Culpa exclusiva da vítima;
-
Caso fortuito e força maior.
Como
se pode notar, o nexo de causalidade é requisito indispensável à
configuração da responsabilidade civil, e a análise de sua
presença no caso concreto deve ser conjugada com o estudo das
excludentes de nexo supracitadas, a fim de que se possa examinar se
determinada conduta foi responsável pela produção de um prejuízo
reparável. Compreender melhor o dano indenizável é essencial para
o estudo do objeto do presente trabalho, razão pela qual será
analisado a seguir.
2.2.
Dano
Muito
embora o Código Civil de 2002 não tenha trazido um conceito de
dano, uma definição de fácil compreensão que pode ser extraída
da doutrina é a de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias
(2015, p. 207) de que o dano seria “a lesão a um interesse
concretamente merecedor de tutela, seja ele patrimonial,
extrapatrimonial, individual ou metaindividual”.
Tendo
em vista essas classificações de dano trazidas logo acima, é
relevante destacar que, no Direito Civil contemporâneo, o estudo do
dano vem ganhando destaque na doutrina e na jurisprudência
brasileiras, havendo uma tendência atual de se reconhecer novas
espécies e classificações, como bem explana Tartuce (2016, p.
522):
Diante desse contexto de ampliação, em que o dano assume papel fundamental na matéria da responsabilidade civil, pode-se elaborar o seguinte quadro, que aponta quais são os danos clássicos ou tradicionais e os danos novos ou contemporâneos, na realidade jurídica nacional:- Danos clássicos ou tradicionais - Danos materiais e danos morais.- Danos novos ou contemporâneos - Danos estéticos, danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. (grifo nosso).
O
reconhecimento de espécies autônomas de dano, destinadas a conferir
maior proteção aos interesses coletivos e difusos, guardam íntima
relação com o fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil,
aliado ao princípio da Socialidade e ao sistema de cláusulas gerais
adotados na citada legislação substantiva, em que configurou-se
nítida superação do caráter individualista da codificação
anterior e se aplicou uma conotação social aos mais diversos
institutos civis, dentre os quais merece destaque a função social
da responsabilidade civil. Nesse sentido, Anderson Schreiber (2009,
p. 88):
O fenômeno da constitucionalização do direito civil refletiu-se, portanto, também na responsabilidade civil, e de forma notável. Um novo universo de interesses merecedores de tutela veio dar margem, diante da sua violação, a danos que até então sequer eram considerados juridicamente como tais, tendo, de forma direta ou indireta, negada a sua ressarcibilidade.
O
Código de Defesa do Consumidor reforça esse viés social aplicável
à responsabilidade civil, ao autorizar expressamente a indenização
por danos morais, inclusive coletivos, dos consumidores:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:(...)VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
Ainda
com relação à coletivização dos danos, cumpre destacar o
Enunciado 456 aprovado na V jornada de Direito Civil do Conselho de
Justiça Federal:
Enunciado 456 – Art. 944 - A expressão ' dano ', no art. 944, abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos, a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas. (grifo nosso).
Todavia,
dentre as espécies de dano acima epigrafadas, cumpre-nos dar
destaque ao dano social, objeto do presente trabalho, modalidade
denominada por Antônio Junqueira de Azevedo, professor titular da
Universidade de São Paulo, que vem sendo amplamente debatido na
doutrina e aplicado na jurisprudência.
3.
DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS SOCIAIS
3.1.
Conceito e natureza jurídica dos danos sociais
Os
danos sociais são uma nova espécie de prejuízos causados à
coletividade, que, embora ainda não possuam previsão legal, gozam
de ampla aceitação na doutrina e na jurisprudência pátria,
inclusive do Superior Tribunal de Justiça.
Um
conceito interessante de dano social encontrado na doutrina é o de
Antônio Junqueira de Azevedo [1]:
Os danos sociais são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.
Por
sua vez, Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 563) conceitua o
instituto da seguinte forma:
Danos sociais são aqueles que causam um rebaixamento no nível de vida da coletividade e que decorrem de condutas socialmente reprováveis. Nesses casos, o juiz fixa a verba compensatória e aquela de caráter punitivo ao dano social. Esta indenização não se destina à vítima, mas a um fundo de proteção consumerista (CDC, art. 100), ambiental ou trabalhista, por exemplo, ou até mesmo a uma instituição de caridade, a critério do juiz. Constitui, em suma, a aplicação social da responsabilidade civil.
Portanto,
pode-se inferir que danos sociais, corolários que são da aplicação
da função social da responsabilidade civil, seriam aqueles causados
por condutas reprováveis socialmente e que atingem direitos difusos,
ou seja, um número indeterminado de pessoas.
Alguns
exemplos interessantes citados na doutrina são os casos do pedestre
que joga papel no chão, do passageiro que atende ao celular no avião
e do pai que solta balão com seu filho. Tais condutas socialmente
reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias
de chuva, problemas de comunicação do avião causando um acidente
aéreo e o incêndio de casas ou de florestas por conta da queda do
balão.
No
tocante à sua natureza jurídica, a doutrina não é uníssona,
havendo quem o repute como dano moral ou como dano material. Todavia,
a doutrina majoritária classifica o dano social como uma nova
espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos
materiais, morais (individuais ou coletivos) ou estéticos, podendo
inclusive, vir a ser cumulados.
Dentre
essas novas modalidades de danos acima destacadas, é interessante
estabelecer as diferenças entre os danos morais coletivos e os danos
sociais, tendo em vista a similitude entre ambos e a possibilidade de
sua coexistência, a depender do caso em análise, de modo que reste
devidamente respeitado o sistema indenizatório civil com a reparação
adequada.
Fonte: Internet. |
3.2.
Dano moral coletivo e dano social – principais diferenças
Para
melhor compreensão do assunto, cumpre, inicialmente, definir o que
seria dano moral coletivo para, posteriormente, estabelecer as
principais diferenças entre este e o dano social.
Seu
conceito é controvertido, porém o dano moral coletivo pode ser
denominado como aquele que atinge, ao mesmo tempo, vários direitos
da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis, também
chamado de danos morais somados ou acrescidos. Um exemplo
interessante que foi julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça, em 2012, foi o que condenou determinada instituição
bancária por danos morais coletivos causados a clientes com
deficiência física, eis que os caixas especiais foram colocados em
local de difícil acesso, no primeiro andar de agência bancária
[2].
Com
relação à sua aplicação em nosso ordenamento jurídico, frise-se
que o tema já foi controverso, mas atualmente o entendimento
majoritário, inclusive do STJ, é no sentido de sua aplicação. Em
que pese haver precedente da 1ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça [3] no sentido de não o admitir, por entender que o dano
moral somente pode ser individual pela sua relação com o conceito
de sofrimento humano, a 2ª Turma do STJ, especializada em direito
privado, considera possível a condenação do infrator ambiental,
por exemplo, a sanção pecuniária a título de compensação por
dano moral coletivo [4].
Estabelecida
a definição de dano moral coletivo e demonstrada sua atual
aceitação pela jurisprudência pátria, é salutar estabelecer as
diferenças entre o dano social e o dano moral coletivo.
Como
já destacado alhures, o dano moral coletivo é o que atinge direitos
da personalidade de indivíduos determinados ou determináveis,
enquanto o dano social é aquele decorrente de comportamentos
negativos ofensivos a vítimas indeterminadas.
Outrossim,
frise-se que o dano moral será sempre extrapatrimonial, enquanto que
o dano social pode ser tanto imaterial quanto patrimonial, a depender
do caso concreto. Vale destacar que o dano social, ainda que
imaterial, não se confunde com o dano moral coletivo, porque no dano
social a vítima é a sociedade e no dano moral coletivo são os
titulares de direitos individuais homogêneos e coletivos em sentido
estrito que são atingidos.
Outra
diferença que merece destaque diz respeito aos destinatários da
indenização, pois enquanto as compensações pelos danos morais
coletivos devem ser destinadas para as próprias vítimas, os danos
sociais, por serem uma forma de compensação à coletividade em
sentido difuso, devem ser revertidos para a sociedade através de
entidades beneficentes ou fundos públicos, e não para o particular.
Nesse sentido, Flávio Tartuce (2013, p. 58):
(...) os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz”.
Todavia,
cumpre frisar que há um entendimento minoritário na doutrina e na
jurisprudência pátrias, como o manifestado por Antônio Junqueira
de Azevedo, no sentido de que a indenização por dano social deve
ser revertida à própria pessoa parte do processo, não a reputando
como uma causa de enriquecimento ilícito, e, ainda, postulando que
tal permissão seja positivada.
Estabelecidas
as principais diferenças entre os danos morais coletivos e os danos
sociais, notadamente com relação às suas naturezas jurídicas e
finalidades, é de se concluir que ambos podem coexistir em um mesmo
processo. Nesse mesmo sentido, afirma o professor Antônio Junqueira
de Azevedo:
O art. 944 do Código Civil, ao limitar a indenização à extensão do dano, não impede que o juiz fixe, além das indenizações pelo dano patrimonial e pelo dano moral, também – esse é o ponto – uma indenização pelo dano social. A ‘pena’ – agora, entre aspas, porque no fundo é reposição à sociedade -, visa restaurar o nível social de tranquilidade diminuída pelo ato ilícito.
A
possibilidade de cumulação entre referidos danos foi apreciada pelo
Superior Tribunal de Justiça, que decidiu no mesmo sentido
supradestacado, senão vejamos:
DIREITO COLETIVO E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA RESTRITIVA ABUSIVA. AÇÃO HÍBRIDA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, DIFUSOS E COLETIVOS. DANOS INDIVIDUAIS.CONDENAÇÃO. APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DANOS MORAIS COLETIVOS. CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE, EM TESE. NO CASO CONCRETO DANOS MORAIS COLETIVOS INEXISTENTES.1. As tutelas pleiteadas em ações civis públicas não são necessariamente puras e estanques. Não é preciso que se peça, de cada vez, uma tutela referente a direito individual homogêneo, em outra ação uma de direitos coletivos em sentido estrito e, em outra, uma de direitos difusos, notadamente em se tratando de ação manejada pelo Ministério Público, que detém legitimidade ampla no processo coletivo. Isso porque embora determinado direito não possa pertencer, a um só tempo, a mais de uma categoria, isso não implica dizer que, no mesmo cenário fático ou jurídico conflituoso, violações simultâneas de direitos de mais de uma espécie não possam ocorrer.4. Assim, por violação a direitos transindividuais, é cabível, em tese, a condenação por dano moral coletivo como categoria autônoma de dano, a qual não se relaciona necessariamente com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico).5. Porém, na hipótese em julgamento, não se vislumbram danos coletivos, difusos ou sociais. Da ilegalidade constatada nos contratos de consumo não decorreram consequências lesivas além daquelas experimentadas por quem, concretamente, teve o tratamento embaraçado ou por aquele que desembolsou os valores ilicitamente sonegados pelo plano. Tais prejuízos, todavia, dizem respeito a direitos individuais homogêneos, os quais só rendem ensejo a condenações reversíveis a fundos públicos na hipótese da fluid recovery, prevista no art. 100 do CDC. Acórdão mantido por fundamentos distintos.6. Recurso especial não provido.(REsp 1293606/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 26/09/2014) (grifo nosso).
Dessa
forma, resta clarividente que não há qualquer óbice para a
cumulação entre danos morais, ainda que coletivos, e danos sociais,
o que nos permite prosseguir no estudo dos danos sociais, agora com
relação a sua aplicação no âmbito jurisprudencial.
3.3.
Análise jurisprudencial sobre a aplicação de indenizações por
danos sociais
Conforme
já demonstrado, a necessidade de proteção aos danos sociais enseja
uma indenização pelos danos causados, que se caracteriza como uma
espécie de indenização punitiva, de caráter dissuasório ou
didático, uma vez que sua maior pretensão é o desestímulo à
prática de atos danosos contra a coletividade.
Nos
últimos anos, tem ganhado notoriedade na doutrina e na
jurisprudência o tema dos danos sociais, principalmente na punição
de sociedades empresárias que, por reiteradas condutas, atingem os
direitos difusos da sociedade, mesmo sem prévia cominação legal.
Vejamos
a seguir alguns interessantes posicionamentos jurisprudenciais
demonstrativos da aceitação desse instituto em nosso ordenamento
jurídico.
Respeitante
à possibilidade processual de se aplicar uma indenização punitiva
desestimuladora por danos sociais, amolda-se perfeitamente o caso
julgado em 2013 pela Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, que condenou a empresa AMIL a pagar
uma indenização de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a título
de danos sociais, a ser destinada ao Hospital das Clínicas de São
Paulo, cumulada com compensação por danos morais. A condenação se
deu diante de reiteradas negativas de coberturas médicas,
notoriamente praticadas por essa operadora de planos de saúde,
conforme ementa do acórdão:
PLANO DE SAÚDE. Pedido de cobertura para internação. Sentença que julgou procedente pedido feito pelo segurado, determinado que, por se tratar de situação de emergência, fosse dada a devida cobertura, ainda que dentro do prazo de carência, mantida. DANO MORAL. Caracterização em razão da peculiaridade de se cuidar de paciente acometido por infarto, com a recusa de atendimento e, consequentemente, procura de outro hospital em situação nitidamente aflitiva. DANO SOCIAL. Caracterização. Necessidade de se coibir prática de reiteradas recusas a cumprimento de contratos de seguro saúde, a propósito de hipóteses reiteradamente analisadas e decididas. Indenização com caráter expressamente punitivo, no valor de um milhão de reais que não se confunde com a destinada ao segurado, revertida ao Hospital das Clinicas de São Paulo. LITIGÃNCIA DE MÁ FÉ. Configuração pelo caráter protelatório do recurso. Aplicação de multa. Recurso da seguradora desprovido e do segurado provido em parte. (TJSP - Apel.: 0027158-41.2010.8.26.0564, Relator: Teixeira Leite; Comarca: São Bernardo do Campo; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 18/07/2013; Data de registro: 19/07/2013).
No
caso, é possível inferir que a indenização punitiva por dano
social, arbitrada em razão de reiteradas condutas lesivas, tem como
fito desestimular novos comportamentos de mesma natureza ao punir a
empresa AMIL por agir de forma a desprestigiar a dignidade humana.
Outro
precedente que merece destaque é o julgado do Tribunal Regional do
Trabalho da 2.ª Região, que condenou o Sindicato dos Metroviários
de São Paulo a destinar indenização para instituição
filantrópica devido a uma greve reputada abusiva, causando prejuízo
à população da cidade (TRT da 2ª Região, Dissídio coletivo de
greve, Acórdão 2007001568, Rel. Sonia Maria Prince Franzini,
Revisor(a): Marcelo Freire Gonçalves, Processo
20288-2007-000-02-00-2, julgado em 28.06.2007, Data de Publicação:
10.07.2007).
É
relevante destacar que para a reparação civil decorrente de
referido dano, entende o c. STJ, sob pena de caracterizar ofensa aos
princípios da demanda, da inércia e da adstrição, ser
imprescindível a provocação do juízo mediante pedido expresso da
parte interessada, conforme se infere da decisão proferida em
Reclamação submetida à sistemática de recurso repetitivo, cuja
ementa colaciona-se a seguir:
RECLAMAÇÃO. ACÓRDÃO PROFERIDO POR TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS. RESOLUÇÃO STJ N. 12/2009. QUALIDADE DE REPRESENTATIVA DE CONTROVÉRSIA, POR ANALOGIA. RITO DO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO INDIVIDUAL DE INDENIZAÇÃO. DANOS SOCIAIS. AUSÊNCIA DE PEDIDO. CONDENAÇÃO EX OFFICIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. CONDENAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO ALHEIO À LIDE. LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA DEMANDA (CPC ARTS. 128 E 460). PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. NULIDADE. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO.1. Na presente reclamação a decisão impugnada condena, de ofício, em ação individual, a parte reclamante ao pagamento de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide e, nesse aspecto, extrapola os limites objetivos e subjetivos da demanda, na medida em que confere provimento jurisdicional diverso daqueles delineados pela autora da ação na exordial, bem como atinge e beneficia terceiro alheio à relação jurídica processual levada a juízo, configurando hipótese de julgamento extra petita, com violação aos arts. 128 e 460 do CPC.2. A eg. Segunda Seção, em questão de ordem, deliberou por atribuir à presente reclamação a qualidade de representativa de controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC, por analogia.3. Para fins de aplicação do art. 543-C do CPC, adota-se a seguinte tese: "É nula, por configurar julgamento extra petita, a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide".4. No caso concreto, reclamação julgada procedente.(Rcl 12.062/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 20/11/2014) (grifo nosso).
Ainda
no tocante aos danos sociais, embora se observe divergência nos
Tribunais de 2ª instância, entende o STJ que sua reparação não
se aplica em ação individual, por ausência de legitimidade para
postulá-lo, uma vez que a vítima dos danos sociais é a própria
sociedade, e não o particular. Dessa forma, entende-se somente ser
possível a propositura de demandas indenizatórias por danos sociais
pelos legitimados ativos de ações coletivas.
É
importante ressaltar o papel da jurisprudência sobre o tema,
principalmente porque o dano social ainda padece de regulamentação,
razão pela qual o Judiciário, ao ser provocado, tem o dever de
atuar com o fim de coibir comportamentos ilícitos, tais como os que,
por condutas reprováveis socialmente, atingem direitos difusos,
passíveis de indenização de caráter punitivo, dissuasório ou
didático.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fonte: Internet. |
À
vista de tudo quanto se expôs, é inegável a magnitude do
reconhecimento dos danos sociais para o sistema de responsabilidade
civil pátrio, uma vez que essa nova modalidade de dano, destinada a
conferir maior proteção aos interesses difusos, guarda íntima
relação com o fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil,
além de representar verdadeira aplicação da função social da
responsabilidade civil.
Ressalte-se
que, em compasso com as normas processuais civis, vem caminhando a
jurisprudência e a doutrina brasileiras no tratamento dado ao tema,
uma vez que, em consagração aos fins sociais e às exigências do
bem comum, autorizam o julgador a aplicar o ordenamento jurídico em
prol da dignidade da pessoa humana.
O
Novo Código de Processo Civil, em seu Art. 8º, ao expressamente
destacar a aplicação do ordenamento jurídico pelo magistrado,
reforça a relevância que os princípios possuem na solução de
conflitos jurisdicionais, de forma que a mera ausência de previsão
legal do dano social não pode ser óbice para o seu reconhecimento,
medida esta que atende aos ideais de justiça ao punir o infrator,
desestimulando-o à reiteração de conduta reprovável socialmente.
Ante
o exposto, para concluir, restou plenamente demonstrada no presente
estudo, por meio de ampla pesquisa bibliográfica e jurisprudencial,
a relevância dos danos sociais e sua aplicação no âmbito dos
Tribunais pátrios, pois afiguram-se necessárias medidas aptas à
promoção do bem-estar da coletividade em suas relações humanas,
de forma que, inobstante a importância da regulamentação da
matéria pelo Legislativo, é papel do Judiciário adotar uma postura
ativa contra os abusos perpetrados em prejuízo da sociedade.
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Flávio. Manual
de Direito Civil – Volume único. 6.
ed. rev. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO,
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morais coletivos e danos sociais.
In: Dizer o direito. Disponível em:
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NOTAS
[1]
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na
responsabilidade civil: o dano social. ln: FILOMENO, José Geraldo
Brito; WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa.
[2]
STJ, REsp 1 22 1 75 6/RJ, 3ª Turma, Rel . Min. Massarni Uyeda, j .
02.02.2012, DJe 10.02.2012, publicado no Informativo n . 490.
[3]
AgRg no REsp 1305977/MG, julgado em 09/04/2013.
[4]
REsp
1.328.753-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/5/2013.
Para
citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):
Marinho, João Henrique de Brito: Os Danos Sociais e a Atuação do Judiciário na Concretização da Função Social da Responsabilidade Civil. Práxis Jurídica, Ano III,
N.º
04,
05.11.2016
(ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2016/11/os-danos-sociais-e-atuacao-do.html>. Acesso em: .
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