domingo, 5 de março de 2017

Poder Constituinte Difuso: a modificação informal da Constituição

Na ilha de Valaam 1873, by A. I. Kuíndji. Fonte: Internet.

João Victor Holanda do Amaral
(Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduado lato sensu em Direito e Processo Constitucional pelo Sentido Único Gestão Educacional. Servidor do Ministério Público do Estado do Ceará.)
Poder Constituinte Difuso, Poder Constituinte, Poder Constituinte Difuso, Mutação Constitucional,


RESUMO
O presente trabalho tem por escopo analisar o instituto do poder constituinte difuso, assim considerado uma das espécies de poder constituinte. Tal espécie de poder pode se manifestar através do costume constitucional ou pelas convenções constitucionais, mas o seu principal instrumento vem a ser a mutação constitucional, assim entendida como a alteração da norma através de uma nova interpretação conferida pelos intérpretes, mas sem alterar o texto constitucional. Assim, por meio do sucinto trabalho, pretende-se discorrer de maneira breve sobre as espécies de poder constituinte e analisar de forma mais detida o poder constituinte difuso, como proporcionador de alterações informais da constituição. Por fim, no âmbito do poder constituinte difuso pretende-se analisar de modo especial o fenômeno das mutações constitucionais, tendo em vista que dentre as espécies de modificação informal esta é a que prepondera e ocorre com a maior frequência, dando destaque à sua definição, bem como aos seus limites de aplicabilidade dentro do permitido pelo ordenamento jurídico pátrio.
PALAVRAS-CHAVE: Poder Constituinte; Poder Constituinte Difuso; Mutação Constitucional.


ABSTRACT
The present work has as scope to analyze the diffuse constituent power institute, thus considered one of the species of constituent power. Such a kind of power may manifest itself through constitutional custom or constitutional conventions, but its main instrument becomes constitutional mutation, understood as the change of the norm through a new interpretation conferred by the interpreters, but without altering the constitutional text . Thus, through the succinct work, it is intended to speak briefly about the species of constituent power and to analyze in a more permanent way the diffuse constituent power, as a proportion of informal changes in the constitution. Finally, in the ambit of diffuse constituent power, we intend to analyze in a special way the phenomenon of constitutional mutations, considering that among the species of informal modification this is the one that preponderates and occurs with the highest frequency, highlighting its definition, As well as its limits of applicability within the allowed by the legal order of the country.

KEY-WORDS: Constituent Power; Diffuse Constituent Power; Constitutional Mutation.


INTRODUÇÃO
A Teoria do Poder Constituinte teve surgimento ao longo do período iluminista, especialmente pelo texto publicado pelo abade Emmanuel Sieyès às vésperas da Revolução Francesa de 1789.
Assim, logo surgiram várias teoria acerca da organicidade do poder constituinte, o que levou ao surgimento, pelo menos no Brasil, de subespécies desse poder, podendo ser citado o poder constituinte originário, o poder constituinte derivado, este subdividido em reformador, decorrente e revisor, além do poder constituinte difuso, alvo principal do presente trabalho.
Desta feita, pretende-se ao longo desse sucinto artigo tratar acerca dessas espécies de poder constituinte tratando acerca de suas principais características e importância para a própria formação do Estado, além de explanar especificamente sobre o poder constituinte difuso.
Este poder difuso destoa dos demais e tem aplicabilidade a partir da atuação dos intérpretes do direito, não passando por um procedimento formal de modificação da constituição, motivo pelo qual foi escolhido como o poder constituinte sobre o qual se analisará com mais vagar no presente trabalho.
As principais formas de manifestação do poder constituinte difuso são os costumes e convenções constitucionais, bem como a mutação constitucional, procedimento de mudança da constituição sem alteração de seu texto e que é o instituto mais conhecido por meio do qual se exterioriza o poder constituinte difuso, de modo que quanto a este tema será dado maior importância ao longo do texto.
Assim, essa é a intenção deste breve trabalho, ou seja, traçar um panorama geral acerca do poder constituinte e analisar especificamente o poder constituinte difuso como meio de alteração informal da constituição e que, por não obedecer a um procedimento formal para sua exteriorização, depende de forma preponderante da atuação dos intérpretes constitucionais, de modo que sua sistematização é importante para que se estabeleçam limites que pautem a conduta do intérprete, a fim de que o poder difuso não surja como um meio ilegítimo de modificação constitucional.
  1. PODER CONSTITUINTE: DEFINIÇÃO, ESPÉCIES E CARACTERÍSITCAS.
1.1 Aspectos gerais
Nos termos da teoria do poder constituinte, há um poder distinto daqueles estabelecidos pela própria constituição. Esse poder, chamado de poder constituinte, sempre existiu e sempre existirá como instrumento ou meio para estabelecer e restabelecer a constituição e, portanto, a forma de Estado, a organização e a estrutura da sociedade política.
Assim, poder constituinte pode ser definido como a manifestação de vontade soberana de um povo, social e juridicamente organizado, ou seja, a expressão da vontade capaz de fazer nascer um núcleo social.
Quanto à sua natureza jurídica há uma controvérsia estabelecida entre as correntes positivista e jusnaturalista. Isso porque, para a corrente positivista o poder constituinte seria um poder de fato, tendo em vista que estes não admitem a existência de qualquer forma de direito além das previstas ou das admitidas pelo direito positivo, ou seja, a poder constituinte ao se manifestar não se embasa em nenhuma disciplina normativa anterior.
Já a corrente jusnaturalista encara o poder constituinte como um poder de direito, pois este poder adviria de uma base normativa anterior, que seria o próprio direito natural, e que lhe daria fundamentos jurídicos e lhe condicionaria a validade, de modo que o poder constituinte, efetivamente, seria um poder de direito.
Portanto, a doutrina diverge quanto à natureza jurídica do poder constituinte. No entanto, apesar da divergência, tem-se que o poder constituinte, em realidade, deve ser encarado, pelo menos em sua forma principal, como um poder que institui uma nova ordem constitucional.
Fonte: Internet.
Nesse sentido, também se torna importante mencionar acerca do titular do poder constituinte. Anteriormente, acreditava-se que o poder constituinte emanava de uma manifestação divina. Todavia, a partir das revoluções burguesas do século XVIII, passou-se a creditá-lo ao povo.
Desse modo, a titularidade do poder constituinte é do próprio povo, o qual estabelece as normas principais relacionadas à organização do Estado, bem como os direitos considerados fundamentais e considerados caros à nação. De outro lado, tem-se que não se deve confundir o titular do poder constituinte com os agentes respectivos, tendo em vista que no âmbito da teoria ora estudada o poder constituinte é exercido efetivamente pelos representantes eleitos pelo povo em assembleia nacional constituinte com o objetivo de criação de uma nova ordem constitucional.
Portanto, titular do poder constituinte é o próprio povo, que não se confunda de maneira alguma com os seus agentes, ou seja, representantes eleitos de maneira legítima para representar a vontade desse povo numa assembleia nacional constituinte.
1.2 Espécies e características
O poder constituinte ele pode ser tratado de maneira diversa a depender da qualidade da sua manifestação, ou seja, se se trata de instituição de uma nova ordem jurídica ou se de mera reforma de certa constituição vigente.
Assim é que o poder constituinte pode ser subdividido em poder constituinte originário e poder constituinte derivado. Já este último pode ser classificado em poder constituinte derivado reformador, decorrente ou revisor, além do próprio poder constituinte difuso, responsável pela modificação informal das constituições.
O poder constituinte que tem o condão de instituir uma nova ordem constitucional é chamado de poder constituinte originário. Segundo a doutrina, a manifestação desse poder constituinte pode se dar em sentido material, que seria a hipótese de as mudanças constitucionais alterarem os princípios supremos de uma constituição em vigor, ainda que haja obediência aos procedimentos formais, e em sentido formal, que ocorreria toda vez que mudanças constitucionais fossem implementadas sem a observância dos procedimentos necessários.
Ato contínuo, ainda em relação ao poder constituinte originário, a doutrina costuma estabelecer algumas características desse poder. Inicialmente tem-se que o poder constituinte originário seria inicial, pois sua obra é a base de uma nova ordem jurídica, bem como juridicamente ilimitado, porquanto não teria que respeitar os limites impostos pelo direito antecessor.
De outro lado, tem-se que esse poder seria ainda incondicionado, pois sua manifestação não estaria sujeita a qualquer regra de forma ou de fundo e, por fim, seria autônomo, tendo em vista que a estruturação da nova constituição seria estabelecida pelo próprio poder constituinte originário.
Frise-se a existência de certa controvérsia doutrinária acerca dos limites ao poder constituinte originário. Isso porque, apesar de a maioria dos doutrinadores concordarem com a característica de que o poder constituinte á ilimitado juridicamente, tem-se que alguns doutrinadores apontam limites a que estaria submetido esse poder constituinte originário.
Nesse sentido, tem-se que o poder constituinte originário estaria submetido aos limites transcendentes, assim considerados como aqueles que se antepõem à própria vontade do estado, tais como os imperativos do direito natural ou de outros valores éticos superiores. Ademais, estaria submetido, ainda, aos limites imanentes, que decorrem da própria soberania e da forma de estado habitualmente adotada, além dos limites heterônomos, assim considerados aqueles provenientes de outros ordenamentos jurídicos, de modo que o poder constituinte originário não poderia subverter certas regras provenientes do direito internacional.
Já o poder constituinte derivado decorre da necessidade de modificação do ordenamento jurídico constitucional para adaptá-lo às mudanças sociais a que estão constantemente submetidas a sociedade. Assim, ao contrário do poder constituinte originário, o poder constituinte derivado é poder constituído por aquele para proporcionar a modificação e atualização da constituição.
Desta feita, o poder constituinte derivado possui como característica a sua limitação jurídica, tendo em vista que sua atuação deverá atender às limitações estabelecidas pelo próprio poder originário, bem como o fato de ser condicionado, de modo que a sua manifestação deve se submeter a determinado rito também previsto pelo poder constituinte originário.
Quanto às suas subespécies, como dito anteriormente, o poder constituinte derivado pode ser reformador, revisor ou decorrente. O poder constituinte derivado reformador está relacionado à possibilidade de alteração das constituições, ou seja, o poder constituinte originário o constitui para que possa alterar a constituição e atualizá-la de acordo com os anseios oriundos da sociedade em determinado momento no tempo.
Quanto à sua manifestação, tem-se que o poder reformador é condicionado e limitado. Desta feita, existem algumas limitações à sua atuação. Essas limitações podem ser divididas em formais, materiais, circunstanciais e temporais.
As limitações formais estão relacionadas ao rito para modificação da constituição. Assim, no caso pátrio, tem-se a iniciativa reservada para apresentação de emenda constitucional, bem como o quórum qualificado para a sua aprovação que é de três quintos em ambas as casas em dois turnos de votação. Já as limitações materiais estão relacionadas às cláusulas pétreas, ou seja, à impossibilidade de apresentação de emendas tendentes abolir a forma federativa de estado, a separação de poderes, o voto direto, secreto, universal e periódico, bem como os direitos individuais e coletivos.
Por sua vez, as limitações circunstanciais estão relacionadas à impossibilidade de modificações da constituição na vigência de certos fenômenos de estabilização constitucional, como o estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal. Por fim, as limitações temporais estão relacionadas a períodos em que a constituição não poderia ser modificada, entretanto, o entendimento majoritário é o de que a nossa Constituição não previu em seu texto qualquer tipo de limitação temporal.
Já o poder constituinte derivado decorrente decorre da própria forma federativa de estado em que os entes que compõe a federação possuem autonomia para criarem as próprias ordens constitucionais internas, desde que observados os limites impostos pelo poder constituinte originário. Assim, o poder constituinte decorrente pode ser definido como o poder que possuem os estados para elaborarem as constituições estaduais.
Como dito, tal poder não é ilimitado e se submete a limites oriundos da vontade do poder constituinte originário. Assim, a doutrina estabelece que o poder constituinte derivado decorrente está submetido à observância obrigatória dos princípios constitucionais sensíveis, estabelecidos e extensíveis.
Os princípios constitucionais sensíveis ou enumerados são aqueles que possuem uma importância diferenciada, de modo que a sua desobediência autoriza a decretação de intervenção federal, estando previstos no art. 34, da Constituição Federal de 1988.
Já os princípios constitucionais estabelecidos são o conjunto de normas que limitam a autonomia estadual, em obediência à regra segundo a qual aos Estados-membros se reservam os poderes que não lhes sejam vedados. Por fim, há os princípios constitucionais extensíveis, assim entendidos como as normas que regulam a organização da União, mas que precisam ser observadas pelos Estados-membros por conta da aplicação do princípio da simetria.
Por fim, há o poder constituinte derivado revisor, assim entendido como a previsão constitucional de certas oportunidades para modificação da constituição através de um procedimento simplificado, com o objetivo principal de atualizar as normas constitucionais e mais uma vez permitir ao poder constituído que altere a constituição com o objetivo de alinhá-la aos anseios sociais.
Desta feita, essa é a classificação clássica quanto à divisão do poder constituinte e suas espécies. Entretanto, existe uma outra classificação relacionada às modificações informais da Constituição, a qual será apresentada no próximo tópico. Assim, as espécies de poder constituinte aqui relacionadas dizem respeito à instituição de uma nova ordem constitucional, bem como de modificações formais da mesma, cabendo agora passar ao poder constituinte responsável pelas modificações informais da constituição.
The Dalinian Elephant made of Driftwood by Delilah Jago. Fonte: Internet.


  1. PODER CONSTITUINTE DIFUSO: COSTUME CONSTITUCIONAL, CONVENÇÕES CONSTITUCIONAIS E MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL.
2.1 Aspectos gerais
O poder constituinte difuso, como dito linhas atrás, não está previsto de maneira expressa no ordenamento, mas é considerado como uma importante fonte de criação e desenvolvimento da eficácia de normas constitucionais, sem a respectiva alteração formal de seu texto.
Assim, o poder constituinte difuso se manifesta geralmente quando órgãos incumbidos de aplicar as normas constitucionais se deparam com imperfeições ou obscuridades, espaços vazios ou omissões deixados na constituição, motivo pelo qual buscam corrigir esses defeitos por meio de expedientes não previstos formalmente pelo texto constitucional, mormente a mutação constitucional.
Nesse sentido, tem-se, portanto, que o poder constituinte difuso, à semelhança dos demais poderes de alteração da constituição, é limitado juridicamente, de forma que deve obediência ao próprio poder constituinte originário, ou seja, a interpretação realizada pelo intérprete jamais poderá modificar a vontade oriunda do poder originário.
Importante frisar que o poder constituinte em análise possui a nomenclatura de difuso, tendo em vista que por representar um processo de mudança informal da constituição não é possível identificar o “como” nem o “quando” se implementam, ocasião que justifica ser chamado de poder constituinte difuso.
Assim, tem-se que a maior manifestação desse poder se dá através da mutação constitucional, a qual será analisada com mais vagar no próximo tópico.


2.2 Mutação Constitucional
A mutação constitucional remonta suas origens ao direito alemão. Mais especificamente à Constituição de 1871, tendo em vista que, nos termos da doutrina, tal diploma sofria frequentes mudanças quanto ao funcionamento das instituições do Estado, sem a consequente reforma constitucional.
Assim, como dito linhas atrás, tem-se que mutação constitucional é um processo de mudança informal da constituição. Isso porque, como cediço, as constituições rígidas, como é o caso da atual Constituição brasileira, possuem procedimentos formais para sua mudança, ou seja, processos legislativos que devem ser obedecidos quando se almeja a alteração da constituição, sob pena de se ter declarada a inconstitucionalidade formal das respectivas mudanças.
Entretanto, como afirmado também em linhas anteriores, há no ordenamento meios informais de alteração da norma constitucional, de modo que se tem como mutação constitucional um mecanismo que permite a modificação no sentido e alcance de determinada norma, sem que se efetue qualquer reforma em sua literalidade. Portanto, altera-se o significado que aquela norma representa, geralmente por meio de nova interpretação, sem haver mudança de texto.
Ademais, importante que se ressalte, também, sobre qual fundamento repousa a mutação constitucional. Isso porque, no caso brasileiro principalmente, à vista de uma rigidez constitucional, as mudanças que em tese restariam válidas seriam aquelas advindas dos processos formais de reforma da Constituição, os quais seriam de observância obrigatória, sob pena, como dito, de se ter decretada a inconstitucionalidade formal da emenda de reforma.
Entretanto, é preciso que não se perca de vista o fato de que uma Constituição representa os anseios políticos, sociais, econômicos e culturais de uma determinada sociedade, em um determinado momento. Destarte, esses anseios podem se modificar ao longo do tempo, como realmente se modificam, sendo certo que uma determinada norma que comportava uma interpretação X, ao longo do tempo vai se modificando e dando azo a uma interpretação Y, pois a sociedade está em constante transformação, almejando novos valores e conquistas.
Portanto, a mutação constitucional situa-se no limite entre a realidade (e sua respectiva mudança) e a positivação do texto constitucional, não podendo de forma alguma o direito se limitar àquilo disposto no texto constitucional, pois aí seria fechar os olhos para a realidade, que está em constante alteração. Assim, percebe-se que o fundamento das mutações constitucionais é a própria necessidade de atualização nas normas constitucionais à realidade social que ela regula.
Todavia, apesar da sólida base sobre a qual se fundamenta a mutação constitucional não se pode perder de vista que, assim como todo poder, as mutações também possuem limites, já que sendo resultado, em sua maioria, de atividade interpretativa do aplicador do direito pode servir ao cometimento de arbitrariedades.
Quanto aos limites das mutações constitucionais, a doutrina pátria costuma estabelecer dois limites de maneira geral às mutações, quais sejam: a) as possibilidades semânticas do relato da norma, vale dizer, os sentidos possíveis do texto que está sendo interpretado ou afetado; e b) a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição. Se o sentido novo que se quer dar não couber no texto, será necessária a convocação do poder constituinte reformador. E se não couber nos princípios fundamentais, será preciso tirar do estado de latência o poder constituinte originário.
Esses limites, vale dizer, são limites gerais, apontados em consonância com o que dispõe a nossa Carta Maior, sendo certo que apesar de não se dar por meio de um estudo sistematizado, permite estabelecer parâmetros para a utilização do instituto, de forma a se impedir as temidas mutações inconstitucionais.
Desta feita, as mutações constitucionais demandam a existência de uma norma polissêmica, ou seja, uma norma a que se possa dar diferentes significados, tendo em vista que se o texto emana um comando fechado não seria possível a realização da modificação através da mutação constitucional.
Já o outro limite tem a ver com o respeito aos princípios constitucionais inseridos na Constituição. Assim é que o aplicador ou intérprete não pode ir além, utilizando-se da mutação constitucional, para imprimir determinada interpretação a uma norma que se confronte aos princípios basilares da própria Carta Magna.
Portanto, princípios como o da separação dos poderes, devido processo legal, sistema federativo, direitos e garantias fundamentais, dentre outros, não podem ser confrontados pela aplicação de mutação constitucional, o que inegavelmente também representa um limite à aplicação do instituto.
Apresentada a definição de mutação constitucional, bem como os limites a que estão submetidas tais mutações, importante que se discorra acerca do meio de efetivação de tais mutações.
Nesta senda, tem-se que a atividade interpretativa é o principal meio de manifestação das mutações, apesar de ser possível a sua ocorrência também através da construção constitucional, dos costumes constitucionais ou até mesmo por meio da via legislativa.
Pode-se dizer que a mutação constitucional pela via interpretativa ocorre pela mudança de uma interpretação dada previamente à norma, já que praticamente toda norma exige interpretação para a sua aplicação e, assim, a mudança de um entendimento em relação ao significado e alcance dessa mesma norma faz com que surja a mutação.


Ademais, tem-se que muitos dos elementos previstos na Constituição, inclusive os princípios, possuem conceitos vagos, cabendo ao aplicador da lei a delimitação do campo de atuação de uma determinada norma ou até mesmo de um princípio.
Portanto, tem-se que em sendo necessária a atuação do aplicador da lei para a efetivação dos mandamentos constitucionais, é quase que inevitável a ocorrência de mutação constitucional na medida em que os valores e prioridades da sociedade vão se alterando, de modo que tal fenômeno tem surgido de maneira frequente no âmbito do ordenamento, diante da dinâmica social, a qual estabelece valores distintos e caros à sociedade de forma cada vez mais rápida, exigindo, assim, a atuação do intérprete para acompanhar e implementar os anseios sociais.
Ante o exposto, tem-se que, ao lado dos métodos de modificação formais da constituição, também se encontram os meios informais de alterações dessas constituições, sendo a mutação constitucional o instituto que representa o poder constituinte difuso por excelência, não havendo dúvidas quanto à sua importância como meio de dar efetividade aos mandamentos constitucionais diante das mudanças na realidade fática que habitualmente ocorrem.


CONCLUSÃO
Desta feita, tem-se que o poder constituinte, entendido como aquele responsável pelo inauguração da ordem jurídica tem importância essencial na construção da sociedade.
Diante de tal importância é que a doutrina costuma dividi-lo de acordo com a sua manifestação exterior, se para fundar uma nova ordem jurídica ou se para modificar a ordem jurídica existente. No primeiro caso tem-se o poder constituinte originário, de manifestação inicial, ilimitado juridicamente e incondicionado. No segundo caso tem-se o poder constituinte derivado, poder constituído pelo primeiro para atualizar de maneira formal os mandamentos constitucionais.
Entretanto, a doutrina construiu uma nova espécie de poder constituinte, o chamado poder constituinte difuso, responsável pelas modificações informais da constituição, alterando o sentido da norma, mas sem alterar o seu texto. Como manifestação desse poder constituinte difuso, destacou-se a mutação constitucional, instituto de origem alemã e que hoje tem aplicabilidade aos diversos ordenamentos jurídicos, o que não poderia ser diferente também no Brasil.
Como dito, apesar de modificar a constituição de maneira informal e se exteriorizar de maneira preponderante através da interpretação, tem-se que tal poder também é constituído e permeado de limites à sua manifestação, tais como as possibilidade interpretativas do texto, bem como a obediência aos princípios fundamentais da constituição, o que se permite concluir que a sua utilização indevida pode vir a ser declarada inconstitucional.
Destarte, a mutação constitucional como principal meio de exteriorização da atuação do poder constituinte difuso tem importância fundamental no nosso ordenamento, sendo o responsável pela alteração do significado de um determinado texto constitucional com o objetivo de atualizá-lo e afiná-lo com os anseios sociais, que em última análise é o próprio titular do poder constituinte originário, de onde se pode, assim, retirar o fundamento de validade e de importância das mutações constitucionais.



REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos Fundamentais e a Constituição do Novo Modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Salvador: Juspodium, 2010. 1253 p.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 1432 p.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 2014.



Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):

Amaral, João Victor Holanda do: Poder Constituinte Difuso: a modificação informal da Constituição. Práxis Jurídica, Ano IV, N.º 01, 05.03.2017 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <https://praxis-juridica.blogspot.com.br/2017/03/poder-constituinte-difuso-modificacao.html>. Acesso em:  


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