domingo, 18 de junho de 2017

Responsabilidade Tributária por Substituição

Fonte: internet

 e Ocorrência do Fato Gerador do ICMS com Base de Cálculo Reduzida



Nathan Matias Lopes Soares
(Graduado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduado lato sensu em Direito Público pela Faculdade Damásio.)


RESUMO

O presente trabalho tem como escopo apresentar a modificação do entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação à possibilidade de restituição de ICMS quando de sua ocorrência com base de cálculo menor do que a prevista, no curso da cadeia econômica de circulação de mercadorias. Para se chegar ao ponto principal da explanação, há esclarecimento referente aos conceitos que envolvem a matéria, tendo como objeto principal a responsabilidade tributária. Além disso, comenta-se sobre o instituto na Constituição Federal, bem como sobre suas subespécies.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário. Responsabilidade tributária. Constituição Federal. Substituição Tributária Progressiva. ICMS. Base de Cálculo Reduzida. Supremo Tribunal Federal. Restituição Tributária. Mudança de Entendimento. Possibilidade de Restituição.



ABSTRACT
The present work has as scope to present the modification of the understanding of the Federal Supreme Court in relation to the possibility of restitution of ICMS when its occurrence with a calculation base smaller than the predicted one, in the course of the economic chain of circulation of goods. In order to arrive at the main point of the explanation, there is clarification regarding the concepts that involve the matter, having as main object the tax responsibility. In addition, it is discussed about the institute in the Federal Constitution, as well as about its subspecies.

KEY WORDS: Tax Law. Tax liability. Federal Constitution. Progressive Replacement. ICMS. Base of Calculus Reduced. Federal Court of Justice. Tax Refund. Change of Understanding. Possibility of Restitution.




INTRODUÇÃO
A obrigação tributária se subdivide em obrigação tributária principal e obrigação tributária acessória.
A obrigação tributária principal consiste no dever de pagar o valor relativo ao crédito tributário que se constitui em razão da ocorrência do fato gerador respectivo. Acrescente-se que juros e multas também se incluem no conceito de obrigação tributária principal, tendo em vista que a integração em tal espécie depende do seu conteúdo pecuniário. Assim, resumindo o exposto, o sistema tributário nacional considera a obrigação tributária principal como sendo a obrigação de dar dinheiro ao Fisco no sentido de adimplir o pagamento do tributo e de eventuais penalidades pecuniárias.
Por conseguinte, a outra espécie de obrigação tributária é a acessória. Tal espécie apresenta como seu objeto obrigações secundárias ou intermediárias que o sujeito passivo do tributo deve operar, nos moldes previstos em lei, como forma de facilitar e viabilizar as atividades fiscalizatórias do Estado. Não se inserem nas obrigações de dar dinheiro, as quais são entendidas como obrigação principal. Nesse passo, as obrigações tributárias acessórias consubstanciam em obrigações de fazer ou de não fazer voltadas para os objetivos de fiscalização e arrecadação dos tributos. Insta registrar que, caso haja seu descumprimento, as obrigações acessórias converter-se-ão em principais, porquanto será punido com a imputação de penalidades pecuniárias. Vale advertir também que as obrigações acessórias, diferentemente do que ocorre na sistemática do Código Civil, revestem-se de autonomia e independência quanto às obrigações principais. Em determinadas ocasiões, como nas imunidades e isenções tributárias, mesmo não surgindo o encargo de saldar o tributo, pode haver o ônus de realizar as obrigações instrumentais exigidas pela lei, para permitir a atuação da administração tributária.
Prosseguindo nessa linha de raciocínio, em sede de obrigação tributária principal, o sujeito passivo apresentar-se-á como a pessoa compelida, por lei, a quitar a o tributo ou as penalidades pecuniárias eventualmente aplicadas. Por seu turno, na obrigação tributária acessória, o sujeito passivo será aquele responsável por atender às obrigações de fazer e de não fazer exigidas pela legislação.
No tocante à obrigação tributária principal, existem duas modalidades de sujeito passivo que podem ser convocados legalmente para adimplir o valor do tributo, quais sejam, contribuinte e o responsável tributário.
Segundo o Código Tributário Nacional (CTN), o contribuinte é aquele que ostenta relação direta e pessoal com o fato gerador da obrigação tributária. Atente-se para o fato de que, hodiernamente, comenta-se acerca de duas subespécies de contribuinte, quais sejam, o contribuinte de direito e o contribuinte de fato. No âmbito do conceito de contribuinte de direito, estão inseridas aquelas pessoas que são previstas, na legislação tributária, como as que se situam no pólo passivo da relação tributária, bem como são encarregadas, de fato, pelo adimplemento dos valores tributários, os quais são compostos do tributo ou das penalidades pecuniárias. Já o contribuinte de fato seria aquele que, ainda que não esteja designado em lei para participar do pólo passivo da relação tributária, assume o encargo econômico financeiro do tributo, tendo em vista que a configuração legal da exação permite o seu repasse para terceiros estranhos ao liame obrigacional tributário que se forma entre o ente político competente para instituição do tributo e o sujeito passivo. Assim, os contribuintes de fato são as pessoas que pagam o valor do tributo, mas não compõem, de maneira formal, a relação jurídica tributária. É o que acontece no caso, por exemplo, do Imposto estadual de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Também em conformidade com o Código Tributário Nacional, o responsável tributário é considerado como aquele que, ainda que não ostente relação direta e pessoal com o fato gerador da obrigação tributária, é obrigada, por lei, ao pagamento do tributo. Ou seja, o sujeito, mesmo não envolvido no evento que configura a hipótese de incidência da exação, é chamado, por força de determinação legal, para saldar o valor do crédito tributário decorrente. Vale alertar que, embora seja possível a legislação tributária atribuir a incumbência de pagar o tributo a indivíduo sem relação imediata com o fato gerador, o CTN impõe que ele deverá, pelo menos, possuir uma vinculação à circunstância fática ensejadora da obrigação tributária. Logo, não é permitido eleger pessoa totalmente avulsa ao fato gerador.
Pois bem, tomando como substrato a responsabilidade tributária, serão abordadas, por conseguinte, as suas espécies, com suas respectivas particularidades, para se chegar ao ponto central do presente trabalho, qual seja, a mudança de entendimento promovida Supremo Tribunal Federal no tocante ao dever de restituição tributária do Estado quando, na responsabilidade tributária por substituição, o fato gerador surgir com base de cálculo menor do que a prevista para a seqüência da cadeia econômica objeto da substituição.

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  1. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA: DEFINIÇÃO E ESPÉCIES

Como explanado nas linhas acima, a responsabilidade tributária constitui obrigação de pagamento do tributo conferida por lei à determinada pessoa que não tenha relação direta e pessoal com o fato gerador, não obstante deva, de alguma forma, transparecer algum vínculo com a circunstância fática necessária ao surgimento da obrigação tributária.
Nesse diapasão, é de suma relevância informar que a responsabilidade tributária apresenta duas subespécies: responsabilidade tributária por transferência e responsabilidade tributária por substituição.
É cediço que a obrigação tributária principal, aquela de pagar o valor do tributo, origina-se da ocorrência do fato gerador. O ordenamento jurídico tributário admite a possibilidade de alteração do sujeito que se situa na esfera passiva da obrigação tributária em virtude de constatação de determinadas ocasiões previstas na lei. Levando em consideração o momento de ocorrência desses eventos, podemos classificar, como exposto no parágrafo anterior, a responsabilidade tributária por substituição ou por transferência.

    1. RESPONSABILIDADE POR TRANSFERÊNCIA

Na responsabilidade tributária pro transferência, o nascimento da obrigação tributária ocorre apresentando, no pólo passivo da relação jurídico-tributária, determinado devedor, o qual pode ser tanto um contribuinte como um responsável. Posteriormente, em função do acontecimento do evento consignado em lei, opera-se a transmissão da condição de sujeito passivo de uma pessoa para outra, esta se revestindo da qualidade de responsável tributário. É o que ocorre, por exemplo, quando da compra e venda de imóvel em relação ao qual existem débitos de tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria), pois o adquirente recebe, por transferência, obrigação tributária que, de início, pertencia ao alienante do bem. Cumpre pontuar que a responsabilidade por transferência tanto pode ser aferida em situações que impliquem em repasse da obrigação tributária de contribuinte para responsável como de responsável para responsável. Esta última pode ser encontrada no próprio Código Tributário Nacional, cujo artigo 131, inciso III, admite a transferência da obrigação tributária do espólio, relativa ao pagamento dos tributos devidos por falecido até a abertura da sucessão, para os sucessores. Desse modo, nessa modalidade, modifica-se o sujeito passivo da obrigação tributária em virtude da configuração de evento previsto na lei.
1.2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR SUBSTITUIÇÃO

Por sua vez, a responsabilidade tributária por substituição se revela quando, a partir da época da constatação do fato gerador, a atribuição de pagamento do tributo já é outorgada pela lei ao terceiro que não tem relação direta e pessoal com a hipótese de incidência. Ou seja, desde o instante em que ocorre o fato gerador, a condição de sujeito passivo da obrigação tributária já incide sobre o responsável tributário. É imperioso destacar que, neste caso, há diferença em face da responsabilidade tributária por transferência. Isso porque, na modalidade por transferência, a sujeição passiva somente é repassada com a ocorrência do evento previsto em lei, enquanto, na modalidade por substituição, desde o momento em que nasce o fato gerador, a sujeição passiva já é assumida pelo responsável tributário. Em nenhum momento, o ônus financeiro do tributo é experimentado pelo contribuinte. Não sucede, desse modo, alteração do pólo passivo da obrigação tributária, ao contrário do explicitado na responsabilidade por transferência.
Superadas as classificações da responsabilidade tributária, o enfoque recairá sobre a responsabilidade tributária por substituição, a qual apresenta duas espécies: substituição tributária regressiva e substituição tributária progressiva, a qual consubstancia o cerne do presente trabalho.

1.2.1. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA REGRESSIVA

Percebe-se a substituição tributária regressiva quando pessoas localizadas em posições antecedentes do caminho da circulação econômica da mercadoria são substituídas por aquelas que se encontram em colocações posteriores, que arcam com o pagamento da exação tributária. É o caso, por exemplo, da relação, bastante conhecida, pertinente aos produtores que fornecem leite para a indústria de laticínios, na qual toda a incidência tributária recai sobre as entidades industriais. Isso é adotado como forma de facilitar as fiscalizações da administração tributária, uma vez que é bem mais fácil fiscalizar as indústrias, que apresentam um número muito menor, do que os inúmeros produtores de leite. Assim, com o emprego dessa técnica, reduz significativamente a necessidade de enorme aparato do fisco, o qual, em muitas ocasiões, revela-se insuficiente para atender à demanda.



1.2.2. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA

Em contrapartida, a substituição tributária progressiva se verifica quando as pessoas que se situam em lugares anteriores da circulação econômica da mercadoria suportam integralmente a exação tributária da cadeia comercial, substituindo agentes econômicos que se encontrem em lugares posteriores. Observa-se tal situação no desenvolvimento da cadeia de circulação econômica dos combustíveis, pois as refinarias pagam o valor do tributo relativo a todo o percurso da mercadoria, ou seja, substituindo os distribuidores e postos de gasolina que comercializam também o combustível. Aqui, busca-se igualmente facilitar a atuação administrativa no sentido de evitar evasões fiscais e promover o aumento da arrecadação tributária. Nesse ponto, reside grande modificação do entendimento jurisprudencial que apresentaremos a seguir.

  1. MODIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO DO STF QUANTO À RESTITUIÇÃO DO ICMS EM SEDE DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA

A Constituição Federal de 1988 prevê, expressamente, em seu artigo 150, §º7º, o instituto da substituição tributária progressiva, tendo em vista que possibilita à lei atribuir a obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento do tributo cujo fato gerador deva ocorrer em momento posterior. Ademais, assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga caso não se realize o fato gerador.
Há uma certa divergência quanto à constitucionalidade de tal previsão, alegando existir violação aos princípios tributários da tipicidade, da capacidade contributiva e do não confisco, uma vez que não se poderia cobrar o tributo sem que se constatasse a ocorrência do fato gerador.
Entretanto, prevalece, no âmbito jurisprudencial, a posição do Superior Tribunal de Justiça de que é válida tal previsão, pois não se opera o recolhimento do tributo antes do surgimento do fato gerador, todavia somente se antecipa seu pagamento. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal encampa tal tese, nos seguintes termos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. IMPRESCINDIBILIDADE DE QUE ESSA HIPÓTESE ESTEJA PREVISTA EM LEI. LEGITIMIDADE DO INSTITUTO JURÍDICO. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. INOCORRÊNCIA DO FENÔMENO DA SUBSTITUIÇÃO DE JULGADO. PREJUDICIALIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Não-conhecimento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça. Prejudicialidade do recurso extraordinário simultaneamente interposto, tendo em vista o fenômeno processual da substituição de julgado previsto no artigo 512 do Código de Processo Civil. Alegação improcedente. O acórdão somente substituiria a decisão recorrida se o recurso houvesse sido conhecido e provido. 2. É responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante ou o prestador de serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subseqüentes saídas de mercadorias ou, ainda, por serviços prestados por qualquer outra categoria de contribuinte. 3. Legitimidade do regime de substituição tributária, dado que a cobrança antecipada do ICMS por meio de estimativa "constitui simples recolhimento cautelar enquanto não há o negócio jurídico de circulação, em que a regra jurídica, quanto ao imposto, incide". Entendimento doutrinário. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF - RE: 194382 SP, Relator: MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 25/04/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 25-04-2003 PP-00035 EMENT VOL-02107-03 PP-00456) (grifo meu)

Nesse cenário, chega-se ao cerne da questão referente à possibilidade de restituição de Imposto estadual de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) quando da ocorrência de seu fato gerador com base de cálculo reduzida.
Conforme mencionado em linhas acima, caso não haja ocorrido o fato gerador presumido em sede de substituição tributária progressiva, a Constituição Federal assegura a imediata e preferencial restituição do tributo ao sujeito passivo. Quanto a este aspecto, nunca houve divergências.
Havia grandes controvérsias relativas às hipóteses em que o fato gerador presumido, no âmbito da responsabilidade tributária por substituição para frente, ocorresse com base de cálculo menor do que a prevista no momento do pagamento antecipado. O conflito se encontrava no sentido se devia haver ou não a restituição, visto que a Carta Magna apenas garantia o reembolso no caso de não ocorrência.
Na órbita do Supremo Tribunal Federal, predominava que, se o fato gerador surgisse com base de cálculo menor, não seria cabível a repetição do que se pagou a mais. Nesses termos, segue jurisprudência da Corte Suprema:

TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6. º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. N.º 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. N.º 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente. (STF - ADI: 1851 AL, Relator: ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 08/05/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 22-11-2002 PP-00055 EMENT VOL-02092-01 PP-00139 REPUBLICAÇÃO: DJ 13-12-2002 PP-00060) (grifo meu)

Assim, era preponderante a compreensão de que não deveria haver restituição, pois tal possibilidade seria contrária à própria finalidade do instituto da substituição tributária progressiva, qual seja, facilitar as atividades fiscalizatórias da administração fiscal. Além disso, só ostentava assento constitucional a restituição fundada na não ocorrência do fato gerador.
Sucede que o Supremo Tribunal Federal modificou seu posicionamento e pacificou no sentido inverso ao que vinha sendo admitido no âmbito da Corte Suprema. Assim, o entendimento atual resta sedimentado no sentido de que é possível a restituição mesmo que o fato gerador ocorra com uma base de cálculo reduzida. O STF se posicionou, em repercussão geral, nos seguintes moldes:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA OU PARA FRENTE. CLÁUSULA DE RESTITUIÇÃO DO EXCESSO. BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA. BASE DE CÁLCULO REAL. RESTITUIÇÃO DA DIFERENÇA. ART. 150, §7º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REVOGAÇÃO PARCIAL DE PRECEDENTE. ADI 1.851. 1. Fixação de tese jurídica ao Tema 201 da sistemática da repercussão geral: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”. 2. A garantia do direito à restituição do excesso não inviabiliza a substituição tributária progressiva, à luz da manutenção das vantagens pragmáticas hauridas do sistema de cobrança de impostos e contribuições. 3. O princípio da praticidade tributária não prepondera na hipótese de violação de direitos e garantias dos contribuintes, notadamente os princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, bem como a arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS. 4. O modo de raciocinar “tipificante” na seara tributária não deve ser alheio à narrativa extraída da realidade do processo econômico, de maneira a transformar uma ficção jurídica em uma presunção absoluta. 5. De acordo com o art. 150, §7º, in fine, da Constituição da República, a cláusula de restituição do excesso e respectivo direito à restituição se aplicam a todos os casos em que o fato gerador presumido não se concretize empiricamente da forma como antecipadamente tributado. 6. Altera-se parcialmente o precedente firmado na ADI 1.851, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, de modo que os efeitos jurídicos desse novo entendimento orientam apenas os litígios judiciais futuros e os pendentes submetidos à sistemática da repercussão geral. 7. Declaração incidental de inconstitucionalidade dos artigos 22, §10, da Lei 6.763/1975, e 21 do Decreto 43.080/2002, ambos do Estado de Minas Gerais, e fixação de interpretação conforme à Constituição em relação aos arts. 22, §11, do referido diploma legal, e 22 do decreto indigitado. 8. Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 593849, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 19/10/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-065 DIVULG 30-03-2017 PUBLIC 31-03-2017 REPUBLICAÇÃO: DJe-068 DIVULG 04-04-2017 PUBLIC 05-04-2017) (grifo meu)

Consoante a justificativa da Corte Suprema, a substituição tributária progressiva se baseia no princípio da praticidade, o qual busca viabilizar a atuação administrativa econômica e eficiente no tocante à arrecadação de tributos. Entretanto, não se revela um preceito absoluto, encontrando óbices nos princípios da capacidade contributiva, igualdade e vedação do confisco.
Outrossim, dever-se-ia considerar as variações dos processos econômicos, não podendo se admitir que a tributação se revestisse de caráter definitivo, sob pena de se perpetrar injustiça fiscal, a qual deve ser refutada de um Estado Democrático de Direito. Além disso, deveria ilidir o enriquecimento sem causa do Estado.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade tributária consiste em atribuir à determinada pessoa, que não tem relação direta e pessoal com o fato gerador, a obrigação de pagar os valores relativos aos créditos tributários. Trata-se de uma técnica permitida ao legislador como forma de facilitar as funções arrecadatórias dos agentes fiscais.
Nesse contexto, sobressai-se a responsabilidade tributária por substituição progressiva, a qual ostenta assento constitucional. Com efeito, existia relevante controvérsia sobre a permissão ou não de restituição de ICMS na hipótese de sua ocorrência apresentando base de cálculo em patamar inferior à prevista para a cadeia econômica. Anteriormente, predominava, no Supremo Tribunal Federal, a sua impossibilidade, em razão, segundo o anterior pensamento, de que tal alternativa estaria em confronto com a finalidade do instituto e não havia previsão constitucional nesse sentido.
Todavia, como explanado no último tópico do trabalho, houve a superação desse precedente e o Pretório Excelso consolidou a posição no sentido do dever de restituição do tributo pago a mais, na ocasião de o ICMS sofrer incidência com base de cálculo menor do que a esperada no desenvolvimento da atividade de circulação econômica, sob pena de se violar os princípios tributários do não confisco, capacidade contributiva e da igualdade tributária.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 10ª Ed. São Paulo: Método, 2016.

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. 7. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 6. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

________.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 194.382 – SP. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000096279&base=baseAcordaos> Acesso em: 23 mai. 2017.

________.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 1851. Disponívelem:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000015315&base=baseAcordaos> Acesso em: 23. Mai. 2017.

________.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso extraordinário nº 593.849. – MG. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000323638&base=baseAcordaos> Acesso em: 23. Mai. 2017.





Para citar este documento (ABNT/NBR 6023: 2002):

Lopes Soares, Nathan Matias: Responsabilidade Tributária por Substituição e Ocorrência do Fato Gerador do ICMS com Base de Cálculo Reduzida. Práxis Jurídica, Ano IV, N.º 01, 05.03.2017 (ISSN 2359-3059). Disponível em: <http://praxis-juridica.blogspot.com.br/2017/06/responsabilidade-tributaria-por.html>. Acesso em:

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